três ovelhas três deitadas no pasto
meditam no devir cheias de melancolia
ou simplesmente olham a névoa?
três ovelhas três deitadas no pasto
fartas da abundante verdura
que a erva mansa o inverno traz?
três ovelhas três deitadas no pasto
tanto silêncio carregam nos olhos
por que ruminam elas a manhã?
terça-feira, 29 de dezembro de 2009
segunda-feira, 21 de dezembro de 2009
Negras penas
os estorninhos apagaram o sol do diospireiro
e talvez por isso as suas negras penas ficam luzidias.
inverno. as chuvas atordoam a manhã e o silêncio
das aves. é inverno: os que vêm de maio acomodam-se
no lugar enxuto. deixam passar as chuvas frias.
e talvez por isso as suas negras penas ficam luzidias.
inverno. as chuvas atordoam a manhã e o silêncio
das aves. é inverno: os que vêm de maio acomodam-se
no lugar enxuto. deixam passar as chuvas frias.
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domingo, 13 de dezembro de 2009
Água ardente
fogueira
de giestas: escrevi
noite
crepita o sono do cão
no dorso do lume
*
o cão acorda, o pastor
procura (:escrevo garrafa)
garrafa só é intransitiva
aguardente
o pastor bebe
mastiga o pão devagar
quem acordou o pão?
Transumância, ed. Campos da Letras
de giestas: escrevi
noite
crepita o sono do cão
no dorso do lume
*
o cão acorda, o pastor
procura (:escrevo garrafa)
garrafa só é intransitiva
aguardente
o pastor bebe
mastiga o pão devagar
quem acordou o pão?
Transumância, ed. Campos da Letras
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sábado, 5 de dezembro de 2009
Aboiz
Há palavras assim, plenas de sonoridade e elegância camilianas, que surgem imprevistas. “Nunca é tarde para ofertar aos mortos a turibulação da nossa saudade”. Tomem nota: turibulação. Encontro o vocábulo no jocoso Seringador, para 2010, que turibula com o devido respeito os seus colaboradores. Neste caso, o metafórico incenso é queimado em honra de Arlindo Pinto, comandante do Posto da GNR de Felgueiras. “Poeta que durante muitos anos tomou como sua a voz do povo, cantando-a com verdadeira mestria, em poemas de brandura e doce encanto”. Tomem nota: a um poeta que parte nenhuma turibulação se afigura excessiva.
Todos os anos, quando assoma o mês de Dezembro, compro O Seringador. E faço-o em nome da terra, de uma remota memória da terra. Às vezes, como se viu, uma ou outra palavra cai na aboiz e acaba, enfim, ela por nos prender. Mas o que procuro é a terra, os suaves ciclos na sua matriz antiga: a época certa para as enxertias, o mês ideal para as sementeiras de ervilhas-de-cheiro ou abóbora-menina. Mas o clima troca-nos as voltas: reescreve, de forma brutal, a sabedoria milenar, desmente aqui e ali a experiência do Seringador, que se publica faz agora 145 anos. Há poucos dias, vi flor a despontar nas macieiras e ameixoeiras, quando nem tempo ainda é da magnólia florir; as hidranjas apresentam os primeiros rebentos, o que costuma a acontecer rente à Primavera; ainda não canta a tesoura de poda e brotam gomos nas videiras. Vejo lírios floridos. Tomem nota do que vos diz este amigo enquanto turibula a natureza: uma silenciosa e perigosa revolução se passa no íntimo da terra.
Todos os anos, quando assoma o mês de Dezembro, compro O Seringador. E faço-o em nome da terra, de uma remota memória da terra. Às vezes, como se viu, uma ou outra palavra cai na aboiz e acaba, enfim, ela por nos prender. Mas o que procuro é a terra, os suaves ciclos na sua matriz antiga: a época certa para as enxertias, o mês ideal para as sementeiras de ervilhas-de-cheiro ou abóbora-menina. Mas o clima troca-nos as voltas: reescreve, de forma brutal, a sabedoria milenar, desmente aqui e ali a experiência do Seringador, que se publica faz agora 145 anos. Há poucos dias, vi flor a despontar nas macieiras e ameixoeiras, quando nem tempo ainda é da magnólia florir; as hidranjas apresentam os primeiros rebentos, o que costuma a acontecer rente à Primavera; ainda não canta a tesoura de poda e brotam gomos nas videiras. Vejo lírios floridos. Tomem nota do que vos diz este amigo enquanto turibula a natureza: uma silenciosa e perigosa revolução se passa no íntimo da terra.
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Cimeira de Copenhaga,
O Seringador
sábado, 21 de novembro de 2009
Manhã
o homem comeu dióspiros
ficou com alma de pássaro. voa
como os pardais contra o vento
à procura de abrigo enxuto
na manhã.o homem atravessa
o temporal: vê árvores devastadas
no seu bramido assustado. o homem agora sabe
é de solar doçura a alma de pássaro.
ficou com alma de pássaro. voa
como os pardais contra o vento
à procura de abrigo enxuto
na manhã.o homem atravessa
o temporal: vê árvores devastadas
no seu bramido assustado. o homem agora sabe
é de solar doçura a alma de pássaro.
quarta-feira, 11 de novembro de 2009
O Muro caiu
Espanta-se. Os mesmos rostos a assomar à janela, o mesmo brilho viscoso do lajedo, a velha gata no alto da manhã lambendo o sol. Estranho, diz o homem. Ninguém o ouve, ninguém o conhece. Olha as fachadas, como turista atento à arquitectura de bairro proletário. Que procura? Talvez uma placa que lhe indique a casa onde nasceu. Mas na Rua das Musas não existe esse pequeno rectângulo de mármore para atear a memória. E o homem, por momentos, estanca na dúvida. Será aqui?
Desce até à esquina, ergue a cabeça: confirma. Sobe devagar o empedrado de granito, onde as “lágrimas” fabricavam “lama”. E um brusco desassossego emociona-o: a casa ainda existe? Pára. É aqui, só pode ser aqui. Hesita, suspende o gesto, a mão fechada. Recorda versos alheios, mas não a acha na memória; cita a ideia: feliz quem encontra a porta e chora diante dela. O braço avança, os nós dos dedos ressoam na madeira, uma vez, duas vezes. Silêncio. Ouve passos,
Quem é?, voz indecisa, receosa.
Sou eu.
Que deseja?
Eu procuro a casa onde nasci...
Enganou-se no número.
Silêncio. Os passos distanciam-se, arrastam murmúrios. O homem volta a bater, uma vez, duas vezes,
Abra, por favor.
Os passos de volta, mais rápidos, impelidos talvez pela ira. A porta abre bruscamente. Silêncio. O homem sorri, estende os braços, como se quisesse medir a largura da casa, a largura do mundo,
João... Que fazes aqui, João?!
Sabe o meu nome!
“Era uma vez um rapaz chamado João que vivia ...»
«... em Chora-Que-Logo-Bebes, exígua aldeia aninhada perto do Muro...», continuou o João. Abraçam-se, desmedida ternura como sempre acontece quando alguém descobre uma personagem fora do livro.
Entre, a casa é sua. Entre, sempre foi sua.
A porta encerrou devagar contra a luz da manhã. Os passos por dentro da casa, por dentro da úmbria, por dentro da memória, sobem estrepitosas escadas de madeira. Felizes, o autor e a personagem.
Sente-se, por favor: sente-se.
O homem senta-se, na única cadeira da sala vazia, imersa na claridade da manhã que entra pelas janelas. No alto da parede, um letreiro (esse sim, sabia-o de cor) prende-lhe os olhos: “É proibida a entrada a quem não andar espantado de existir”.
Esteve algum tempo afixado na fachada, mas os vizinhos apresentaram queixa na Câmara Municipal...
Queixa!
Sim, uma queixa, um abaixo-assinado. E foram à Assembleia Municipal expor de viva voz o caso. Além de escrito a vermelho, alegaram, o letreiro dava má fama à rua. Que, apesar do nome, é de gente séria e honesta...
E os da Câmara?
Mandaram dois funcionários com uma escada retirar “esse atentado à decência». Acudi a tempo, e guardei-o. É tudo o que tenho, é o meu tesouro. Quando, há bocado, ouvi bater à porta, julguei que eram eles. Acredite, fiquei com medo.
Medo. Tu tens medo, João!
O Muro caiu. Andamos todos espantados de existir.
Desce até à esquina, ergue a cabeça: confirma. Sobe devagar o empedrado de granito, onde as “lágrimas” fabricavam “lama”. E um brusco desassossego emociona-o: a casa ainda existe? Pára. É aqui, só pode ser aqui. Hesita, suspende o gesto, a mão fechada. Recorda versos alheios, mas não a acha na memória; cita a ideia: feliz quem encontra a porta e chora diante dela. O braço avança, os nós dos dedos ressoam na madeira, uma vez, duas vezes. Silêncio. Ouve passos,
Quem é?, voz indecisa, receosa.
Sou eu.
Que deseja?
Eu procuro a casa onde nasci...
Enganou-se no número.
Silêncio. Os passos distanciam-se, arrastam murmúrios. O homem volta a bater, uma vez, duas vezes,
Abra, por favor.
Os passos de volta, mais rápidos, impelidos talvez pela ira. A porta abre bruscamente. Silêncio. O homem sorri, estende os braços, como se quisesse medir a largura da casa, a largura do mundo,
João... Que fazes aqui, João?!
Sabe o meu nome!
“Era uma vez um rapaz chamado João que vivia ...»
«... em Chora-Que-Logo-Bebes, exígua aldeia aninhada perto do Muro...», continuou o João. Abraçam-se, desmedida ternura como sempre acontece quando alguém descobre uma personagem fora do livro.
Entre, a casa é sua. Entre, sempre foi sua.
A porta encerrou devagar contra a luz da manhã. Os passos por dentro da casa, por dentro da úmbria, por dentro da memória, sobem estrepitosas escadas de madeira. Felizes, o autor e a personagem.
Sente-se, por favor: sente-se.
O homem senta-se, na única cadeira da sala vazia, imersa na claridade da manhã que entra pelas janelas. No alto da parede, um letreiro (esse sim, sabia-o de cor) prende-lhe os olhos: “É proibida a entrada a quem não andar espantado de existir”.
Esteve algum tempo afixado na fachada, mas os vizinhos apresentaram queixa na Câmara Municipal...
Queixa!
Sim, uma queixa, um abaixo-assinado. E foram à Assembleia Municipal expor de viva voz o caso. Além de escrito a vermelho, alegaram, o letreiro dava má fama à rua. Que, apesar do nome, é de gente séria e honesta...
E os da Câmara?
Mandaram dois funcionários com uma escada retirar “esse atentado à decência». Acudi a tempo, e guardei-o. É tudo o que tenho, é o meu tesouro. Quando, há bocado, ouvi bater à porta, julguei que eram eles. Acredite, fiquei com medo.
Medo. Tu tens medo, João!
O Muro caiu. Andamos todos espantados de existir.
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Aventuras de João Sem Medo,
José Gomes Ferreira
sexta-feira, 30 de outubro de 2009
Pré-história
Cansado de humanidade, ganhou pêlo. Abjurou a marcha bípede, subiu às árvores do bosque: comeu frutos e enxotou pássaros. A família pôs anúncios nos jornais. Dava alvíssaras a quem a informasse do paradeiro do homem. E ninguém até hoje descobriu o professor de Pré-história, com horário incompleto.
O salto
Sou o presidente das minhas ideias. Avisa o homem do saco de cabedal. Oferecem-lhe cerveja fresca como chocolate para cativar criança. Acabaram os passaportes para o paraíso. A partir de agora, quem quiser dar o salto terá de pagar ao passador. Ao passa dor. Sujeita-se, como outrora, à exploração dos contrabandistas da penúria. Os outros murmuram. Um deles, tímido, pergunta: quanto poderá custar a passagem. Sorri o homem do saco de cabedal. Vinho para todos, pago eu! É espantoso como esta gente apalpa a metafísica.
Ofício
Nasceu com um defeito na sinistra. Nos dias de feira, expunha a deficiência e o brilho das moedas tombava na boina preta. O homem, o homem sabia meio ofício divino: cantava missa, sem ser tonsurado. E pertencia-lhe um olhar lancinante e triste, próprio de pregador que acirra os prantos femininos. Um dia, porém, o império estremeceu: outro pedinte arribou à feira. Nada a fazer, teriam de repartir o mercado. O outro desconhecia o ofício divino. Mas ostentava uma perna roxa de chagas e pus, sobrevoada por bando voraz de moscas. Olharam-se com ódio sombrio. Faz queixa à guarda! Atiçou o da perna roxa. Optou pela legalidade. Na Fazenda Pública exigiu ser colectado. Eu pago os impostos, mas tirem-me de lá o leproso. Riram, os das Finanças: Tu estás isento de impostos, fazes parte do clero. Há dias, alguém o viu refastelado numa cadeira de baloiço, vestindo um bom fato - afagava com a mão esquerda um alentado gato persa.
In O Homem do Saco de Cabebal, ed. Campo das Letras
Cansado de humanidade, ganhou pêlo. Abjurou a marcha bípede, subiu às árvores do bosque: comeu frutos e enxotou pássaros. A família pôs anúncios nos jornais. Dava alvíssaras a quem a informasse do paradeiro do homem. E ninguém até hoje descobriu o professor de Pré-história, com horário incompleto.
O salto
Sou o presidente das minhas ideias. Avisa o homem do saco de cabedal. Oferecem-lhe cerveja fresca como chocolate para cativar criança. Acabaram os passaportes para o paraíso. A partir de agora, quem quiser dar o salto terá de pagar ao passador. Ao passa dor. Sujeita-se, como outrora, à exploração dos contrabandistas da penúria. Os outros murmuram. Um deles, tímido, pergunta: quanto poderá custar a passagem. Sorri o homem do saco de cabedal. Vinho para todos, pago eu! É espantoso como esta gente apalpa a metafísica.
Ofício
Nasceu com um defeito na sinistra. Nos dias de feira, expunha a deficiência e o brilho das moedas tombava na boina preta. O homem, o homem sabia meio ofício divino: cantava missa, sem ser tonsurado. E pertencia-lhe um olhar lancinante e triste, próprio de pregador que acirra os prantos femininos. Um dia, porém, o império estremeceu: outro pedinte arribou à feira. Nada a fazer, teriam de repartir o mercado. O outro desconhecia o ofício divino. Mas ostentava uma perna roxa de chagas e pus, sobrevoada por bando voraz de moscas. Olharam-se com ódio sombrio. Faz queixa à guarda! Atiçou o da perna roxa. Optou pela legalidade. Na Fazenda Pública exigiu ser colectado. Eu pago os impostos, mas tirem-me de lá o leproso. Riram, os das Finanças: Tu estás isento de impostos, fazes parte do clero. Há dias, alguém o viu refastelado numa cadeira de baloiço, vestindo um bom fato - afagava com a mão esquerda um alentado gato persa.
In O Homem do Saco de Cabebal, ed. Campo das Letras
quarta-feira, 28 de outubro de 2009
gatos
gatos cheios de luz
a saltitar na manhã
parecem borboletas
o outono traz esta generosidade
de luz e outros frutos
também eles maduros de claridade.
a saltitar na manhã
parecem borboletas
o outono traz esta generosidade
de luz e outros frutos
também eles maduros de claridade.
sábado, 24 de outubro de 2009
quinta-feira, 15 de outubro de 2009
Outono
matéria da aluvião,
digo. a luz silenciosa
da manhã, nenhuma palavra.
a aluvião dos dias
marcas no corpo:da mesma água do outono
bebemos.
digo. a luz silenciosa
da manhã, nenhuma palavra.
a aluvião dos dias
marcas no corpo:da mesma água do outono
bebemos.
sábado, 10 de outubro de 2009
O bosque
A visita a uma casa alfarrabista do Porto abriu, subitamente, o portão do bosque. Um remoto bosque harmonioso de árvores distintas e outras, agora, vulgaríssimas, que viajaram de longe para adornar a paisagem portuguesa. Procurava algo sobre José Marques Loureiro, homem que não precisava de abraçar as árvores para lhe saber a idade, e saí da Livraria Académica, de Nuno Canavez, sem pagar um tostão, com quatro volumes de Jornal do Horticultura Prática, “premiado na Exposição Hortícola de Lisboa de 1870, na de Gand de 1872, e na de Lyon de 1875”. Marques Loureiro criou e dirigiu o Horto da Virtudes, na cidade do Porto, que havia de povoar de plantas e árvores, marcadas pelo exotismo e raridade, os jardins do Norte de Portugal e alguns da vizinhas da Galiza. E fundaria também o jornal, que tinha Duarte de Oliveira como redactor, para divulgar os produtos da respeitada casa e aconselhar a amadores e profissionais as melhores técnicas de cultivo. Lentamente, o jardineiro e horticultor trazia claridade, novos sabores à sombria agricultura portuguesa e, não menos importante, outras tonalidades e beleza aos jardins, bosques e parques públicos.
Marques Loureiro testava as espécies nos viveiros e só depois as lançava no mercado. Tornou o Porto a pátria adoptiva da camélia ( “a rainha do Inverno”, como ele lhe chamava), difundiu em Portugal muitas outras espécies como, só para dar um exemplo, a erva-das-sete-sangrias: para quem não saiba, é o comum diospireiro, que ilumina as manhãs de Outono com seus frutos de fogo. Mestre na arte de enxertia, o cosmopolita jardineiro das Virtudes, sempre atento às novidades dos principais hortos europeus, através do seu jornal, verdadeiro manual de bem granjear a terra, ensinou um pouco de tudo. Até a aparentemente simples tarefa de capar o melão. Fruto de primeira ordem, dizia Loureiro aos seus leitores, trazido para o Ocidente “depois das primeiras expedições dos romanos contra a Pérsia, onde se encontra abundantemente no estado selvagem”. O melão carece de cultura cuidada, de regras no momento certo, e da geométrica e indispensável capação por via de tolher o avanço sôfrego das guias . Caprichoso, o melão. “Não admite meio termo, pode ser um verdadeiro manjar dos deuses ou um fruto detestável, que nem ao próprio diabo se poderá oferecer”. O Horto das Virtudes e o seu proprietário, um dos desses homens modernos num tempo arcaico que o Porto teve noutros tempos, ajudaram a mudar a agricultura portuguesa, diversificaram a nossa floresta, encheram os jardins, privados e públicos, de árvores de nome estranho, como araucaria, Ácer ou o bíblico sicômoro. Pergunta o leitor: a que propósito aparece aqui, desgarrada, esta prosa? Quem conhece os ciclos da natureza, sabe que começa agora a época da enxertia (garfo, mergulhia, borbulha, etc.) e do plantio de novas árvores, que aproveitam o repouso da terra para estender raiz. E plantar um árvore é bem mais empolgante do que escrever um livro.
Marques Loureiro testava as espécies nos viveiros e só depois as lançava no mercado. Tornou o Porto a pátria adoptiva da camélia ( “a rainha do Inverno”, como ele lhe chamava), difundiu em Portugal muitas outras espécies como, só para dar um exemplo, a erva-das-sete-sangrias: para quem não saiba, é o comum diospireiro, que ilumina as manhãs de Outono com seus frutos de fogo. Mestre na arte de enxertia, o cosmopolita jardineiro das Virtudes, sempre atento às novidades dos principais hortos europeus, através do seu jornal, verdadeiro manual de bem granjear a terra, ensinou um pouco de tudo. Até a aparentemente simples tarefa de capar o melão. Fruto de primeira ordem, dizia Loureiro aos seus leitores, trazido para o Ocidente “depois das primeiras expedições dos romanos contra a Pérsia, onde se encontra abundantemente no estado selvagem”. O melão carece de cultura cuidada, de regras no momento certo, e da geométrica e indispensável capação por via de tolher o avanço sôfrego das guias . Caprichoso, o melão. “Não admite meio termo, pode ser um verdadeiro manjar dos deuses ou um fruto detestável, que nem ao próprio diabo se poderá oferecer”. O Horto das Virtudes e o seu proprietário, um dos desses homens modernos num tempo arcaico que o Porto teve noutros tempos, ajudaram a mudar a agricultura portuguesa, diversificaram a nossa floresta, encheram os jardins, privados e públicos, de árvores de nome estranho, como araucaria, Ácer ou o bíblico sicômoro. Pergunta o leitor: a que propósito aparece aqui, desgarrada, esta prosa? Quem conhece os ciclos da natureza, sabe que começa agora a época da enxertia (garfo, mergulhia, borbulha, etc.) e do plantio de novas árvores, que aproveitam o repouso da terra para estender raiz. E plantar um árvore é bem mais empolgante do que escrever um livro.
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segunda-feira, 5 de outubro de 2009
Burburinho
burburinho de asas rente à figueira
dos grandes figos pretos. de novo a fome apátrida das aves
por outubro dentro. Falo à mãe de estrigas de linho
como se duas palavras antigas lhe devolvessem a juventude.
e de esquecidos homem a cavalo, passavam pela alva rumo à feira de s. Miguel nas terras de basto. o cheiro a mosto e sua secreta alegriaque havíamos de descobrir mais tarde. a felicidade dos cães no rasto dos montes. Que palavras para restituir a marcha ao caçador emaranhado na trôpega quietude.
o burburinho de asas sobre a figueira
que aves são essas, meu filho.
dos grandes figos pretos. de novo a fome apátrida das aves
por outubro dentro. Falo à mãe de estrigas de linho
como se duas palavras antigas lhe devolvessem a juventude.
e de esquecidos homem a cavalo, passavam pela alva rumo à feira de s. Miguel nas terras de basto. o cheiro a mosto e sua secreta alegriaque havíamos de descobrir mais tarde. a felicidade dos cães no rasto dos montes. Que palavras para restituir a marcha ao caçador emaranhado na trôpega quietude.
o burburinho de asas sobre a figueira
que aves são essas, meu filho.
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sexta-feira, 2 de outubro de 2009
A lua, um lírio
dá-me uma rima
porque acabou o verão
dá-me uma rima
o sorriso, uma rã e um limão
dá-me uma rima
já acabou o verão
dou-te meu coração furtivo
a lua,um lírio, uma canção
dá-me uma rima
já me sinto ledo e cativo
e não queria e não queria
porque acabou o verão
dá-me uma rima
o sorriso, uma rã e um limão
dá-me uma rima
já acabou o verão
dou-te meu coração furtivo
a lua,um lírio, uma canção
dá-me uma rima
já me sinto ledo e cativo
e não queria e não queria
sábado, 26 de setembro de 2009
[Sadismos elegantes]
10 de Abril [1946]
Os intelectuais que não estão de acordo
com o Partido Comunista
quanto à questão da liberdade
deveriam perguntar a si próprios
o que fariam dessa liberdade
com que tanto se preocupam. E então
veriam - afastadas as preguiças,
os interesses inconfessados de
cada um (vida cómoda, devaneio,
sadismos elegantes) - que não existe
caso em que dêem uma resposta
diferente da resposta colectiva do PC.
Cesare Pavese
Ofício de Viver
Os intelectuais que não estão de acordo
com o Partido Comunista
quanto à questão da liberdade
deveriam perguntar a si próprios
o que fariam dessa liberdade
com que tanto se preocupam. E então
veriam - afastadas as preguiças,
os interesses inconfessados de
cada um (vida cómoda, devaneio,
sadismos elegantes) - que não existe
caso em que dêem uma resposta
diferente da resposta colectiva do PC.
Cesare Pavese
Ofício de Viver
sábado, 19 de setembro de 2009
terça-feira, 15 de setembro de 2009
Rústica mas não muito
Um riacho um caminho incerto
de cascalho tufo de urze
tudo disposto para a narração
ou o desvio. Ou nada estava
aqui à espera da forma
poética.
Os cães aglomeram-se olhando
-me ou não me procuram. Para as
encostas entregues à vida rústica
o serem vistas é serem minhas.
O alheio espia-me para ser
poético?
Fiama Hasse Pais Brandão
de cascalho tufo de urze
tudo disposto para a narração
ou o desvio. Ou nada estava
aqui à espera da forma
poética.
Os cães aglomeram-se olhando
-me ou não me procuram. Para as
encostas entregues à vida rústica
o serem vistas é serem minhas.
O alheio espia-me para ser
poético?
Fiama Hasse Pais Brandão
quinta-feira, 3 de setembro de 2009
Tu conheces as colinas
De repente, tu estás na página, dentro do livro. Como se fosses personagem. Conheces as colinas. O espanto tolhe-te! Alguém te roubou os sonhos, sabia teus segredos. Coisas simples: como o menino que sonhava ter um canivete. Vasculhas a memória, lembras-te do autor. E o livro? Em que livro dorme o menino do canivete para, como os homens da aldeia, afiar a melancolia? Terras do Meu País, A Lua e as Fogueiras, Fogo Grande? Pouco importa. Há anos, tu entraste na página – e ficaste. Como o menino, ao lado do menino. Não adianta perturbar o silêncio do livro que te levou à terra de Pavese. E conhecias o rumor das colinas, o sorriso cúmplice das raparigas, o cheiro dos fenos curtidos pelo sol de Agosto, os homens bruscos, violentos, que encostados aos muros fumavam devagar o silêncio da manhã.
Alguns livros são assim: nunca mais voltarás a eles, e eles acompanham a tua vida. A tua vida toda. Não adianta procurar. Tu sabes onde está guardado, sempre soubeste. Segredo, um segredo só teu, que ninguém roubará. Nem mesmo tu. Temes, tu temes, voltar ao livro. Pode ser o desencanto, súbito desengano: como se encontrasses em lugar nenhum a mulher que amaste, verdadeiramente amaste, há muitos anos. O encantamento amoroso, que entrelaça a juventude, é irrepetível. O autor do livro, que tu temes abrir, foi mordido por esse estranho sentimento. E procurou, gesto supérfluo, o resgate do fascínio longínquo em todas as mulheres que sabiam a mar, ou traziam o cheiro suave dos fenos no corpo – ou eram apenas simples mulheres.
Outros livros vieram, outros livros, por certo, aguardam a tua caminhada silenciosa na página. Agora talvez não reconheças as colinas. Compraste e perdeste, eu sei, a pequena navalha, uma Opinel nº 3, cabo de madeira. Com ela, afinal, não aguçaste a vara de salgueiro verde, como os homens da aldeia onde nunca foste: escreveste, isso sim, uma palavra (um nome, talvez) no tronco do plátano, junto ao rio. A árvore cresceu, a generosidade do tempo encobriu a cicatriz. E a palavra, tu sabes, a palavra fez-se seiva, terá desaguado límpida no coração do plátano. A palavra, essa palavra de paixão quase clandestina, deixou de te pertencer. Como todas as palavras que escreveste sem endereço definido.
Esquece o menino na página. Procura uma palavra nova. Harmoniosa e precisa. Exacta. De fogo e rebeldia. Que te enrede, te sobressalte outra vez. Esquece as mulheres que sabiam a mar, e as que traziam os cheiros dos fenos fingidos no corpo. Procura o livro. Tu sabes onde está guardado, sempre soubeste. É uma parte distante da tua vida que resguardaste da luz, como se tivesses rasurado o rosto de uma fotografia a preto e branco. Entra agora na página, nesta página que escreves lentamente. O rumor das colinas, escuta, o harmonioso rumor das colinas. Persiste na escrita, como se voltasses a golpear o escorregadio plátano, rente ao rio. Não é, nunca será, gesto escuso a escrita que um dia se transmuta em seiva. Palavras viageiras, alcançam o ponto mais alto da árvore, apoderam-se da doçura dos frutos – voam depois, luminosas, no coração das aves.
Alguns livros são assim: nunca mais voltarás a eles, e eles acompanham a tua vida. A tua vida toda. Não adianta procurar. Tu sabes onde está guardado, sempre soubeste. Segredo, um segredo só teu, que ninguém roubará. Nem mesmo tu. Temes, tu temes, voltar ao livro. Pode ser o desencanto, súbito desengano: como se encontrasses em lugar nenhum a mulher que amaste, verdadeiramente amaste, há muitos anos. O encantamento amoroso, que entrelaça a juventude, é irrepetível. O autor do livro, que tu temes abrir, foi mordido por esse estranho sentimento. E procurou, gesto supérfluo, o resgate do fascínio longínquo em todas as mulheres que sabiam a mar, ou traziam o cheiro suave dos fenos no corpo – ou eram apenas simples mulheres.
Outros livros vieram, outros livros, por certo, aguardam a tua caminhada silenciosa na página. Agora talvez não reconheças as colinas. Compraste e perdeste, eu sei, a pequena navalha, uma Opinel nº 3, cabo de madeira. Com ela, afinal, não aguçaste a vara de salgueiro verde, como os homens da aldeia onde nunca foste: escreveste, isso sim, uma palavra (um nome, talvez) no tronco do plátano, junto ao rio. A árvore cresceu, a generosidade do tempo encobriu a cicatriz. E a palavra, tu sabes, a palavra fez-se seiva, terá desaguado límpida no coração do plátano. A palavra, essa palavra de paixão quase clandestina, deixou de te pertencer. Como todas as palavras que escreveste sem endereço definido.
Esquece o menino na página. Procura uma palavra nova. Harmoniosa e precisa. Exacta. De fogo e rebeldia. Que te enrede, te sobressalte outra vez. Esquece as mulheres que sabiam a mar, e as que traziam os cheiros dos fenos fingidos no corpo. Procura o livro. Tu sabes onde está guardado, sempre soubeste. É uma parte distante da tua vida que resguardaste da luz, como se tivesses rasurado o rosto de uma fotografia a preto e branco. Entra agora na página, nesta página que escreves lentamente. O rumor das colinas, escuta, o harmonioso rumor das colinas. Persiste na escrita, como se voltasses a golpear o escorregadio plátano, rente ao rio. Não é, nunca será, gesto escuso a escrita que um dia se transmuta em seiva. Palavras viageiras, alcançam o ponto mais alto da árvore, apoderam-se da doçura dos frutos – voam depois, luminosas, no coração das aves.
segunda-feira, 31 de agosto de 2009
Viagens
em abril
as flores nascem
no peito das mulheres
as viagens são vermelhas
os desejos são vermelhos
e depois
pelos espelhos
(quebrados) fogem rostos
estranhos de espanto
as flores nascem
no peito das mulheres
as viagens são vermelhas
os desejos são vermelhos
e depois
pelos espelhos
(quebrados) fogem rostos
estranhos de espanto
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"palavras antigas",
abril
quinta-feira, 27 de agosto de 2009
Canta o lírio
canta o gaio
deve ser o maio
canta o lírio
deve ser um sonho
canta o cuco
é primavera
canta a pedra
deve ser o sono
Canta o melro
deve ser verão
canta o garrafão
deve ser a fome
canta a perdiz
deve ser o fim do dia
canta o chafariz
deve ser paixão
canta a coruja
deve ser a noite
canta a abóbora-menina
deve ser poesia
canta andorinha
deve ser saudade
deve ser o maio
canta o lírio
deve ser um sonho
canta o cuco
é primavera
canta a pedra
deve ser o sono
Canta o melro
deve ser verão
canta o garrafão
deve ser a fome
canta a perdiz
deve ser o fim do dia
canta o chafariz
deve ser paixão
canta a coruja
deve ser a noite
canta a abóbora-menina
deve ser poesia
canta andorinha
deve ser saudade
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Devocionário para as crianças
sábado, 22 de agosto de 2009
Pauis de tenra erva
aboim
agora às trutas no ribeirinho
até várzea cova: havia um cão
grande e manso só com três patas, junto à igreja.
as trutas nos luminosos anos setenta
no ribeirinho de aboim eram pequena
mas em abundância, só pelo julho
nos açudes silenciosos o saltão a patinar na água
iludia trutas de palmo, às vezes maiores.
dizem-me (desagradável voltar aos lugares
onde se foi feliz) dizem-me que agora é um imenso chavascal
os açudes se alagaram, sôfrego silvedo cobriu o sussurro da água
campos, caminhos em redor.
o padre de várzea cova fazia exorcismos
e a imagem incompleta do cão grande
parecia (os verdes anos têm esses imaginosos pensamentos)
indiciar o árduo ofício do sacerdote de acudir
aos fiéis atormentados. nesse tempo, os campos junto ao ribeirinho
estavam cultivados, pauis de tenra erva que o gado
pastava pela tardinha para fugir à mosca. E havia as filhas
do matalobos que nos espiavam pelo postigo do moinho
naquele lugar ermo, cercado por carvalhais.
em redor de Aboim nos montes que nunca foram maninhos
há enormes ventoinhas e os felizes emigrantes. agora o agosto
o agosto que dá uso a caminhos velhos.
agora às trutas no ribeirinho
até várzea cova: havia um cão
grande e manso só com três patas, junto à igreja.
as trutas nos luminosos anos setenta
no ribeirinho de aboim eram pequena
mas em abundância, só pelo julho
nos açudes silenciosos o saltão a patinar na água
iludia trutas de palmo, às vezes maiores.
dizem-me (desagradável voltar aos lugares
onde se foi feliz) dizem-me que agora é um imenso chavascal
os açudes se alagaram, sôfrego silvedo cobriu o sussurro da água
campos, caminhos em redor.
o padre de várzea cova fazia exorcismos
e a imagem incompleta do cão grande
parecia (os verdes anos têm esses imaginosos pensamentos)
indiciar o árduo ofício do sacerdote de acudir
aos fiéis atormentados. nesse tempo, os campos junto ao ribeirinho
estavam cultivados, pauis de tenra erva que o gado
pastava pela tardinha para fugir à mosca. E havia as filhas
do matalobos que nos espiavam pelo postigo do moinho
naquele lugar ermo, cercado por carvalhais.
em redor de Aboim nos montes que nunca foram maninhos
há enormes ventoinhas e os felizes emigrantes. agora o agosto
o agosto que dá uso a caminhos velhos.
quinta-feira, 20 de agosto de 2009
Rimas infantis
achei uma rima
para o meu gato
leve como uma crina
não é bicho do mato
nem novelo de lã
nem dorme no guarda-fato
e acorda pela manhã
achei uma rima
para o meu gato
redonda tangerina
menina sem sapato
se agora ta contar
que será do meu gato
é bem capaz de amuar
pela rima não ser rato.
para o meu gato
leve como uma crina
não é bicho do mato
nem novelo de lã
nem dorme no guarda-fato
e acorda pela manhã
achei uma rima
para o meu gato
redonda tangerina
menina sem sapato
se agora ta contar
que será do meu gato
é bem capaz de amuar
pela rima não ser rato.
terça-feira, 18 de agosto de 2009
Água doce
agora o agosto, frágil libelinha
amores de água doce
como as palavras cabisbaixas entrando no milheiral
o esquecimento do voo dos pombos bravos
outrora o agosto: um cacho de uvas roubado
a mãe no silêncio lavado da cozinha
repouso breve no declínio da tarde. a mãe
só a mãe nos aguardava com a tisana
de ternura fresca
amores de água doce
como as palavras cabisbaixas entrando no milheiral
o esquecimento do voo dos pombos bravos
outrora o agosto: um cacho de uvas roubado
a mãe no silêncio lavado da cozinha
repouso breve no declínio da tarde. a mãe
só a mãe nos aguardava com a tisana
de ternura fresca
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terça-feira, 11 de agosto de 2009
Da alegria sazonal
o verão antigo
não cheirava a sargaço
havia libelinhas maçãs bravo de esmolfe ainda verdes
água limpa, a furiosa paixão pelo tangível
versos do ramos rosa: estou vivo e escrevo sol
muita cerveja na solidão nocturna
agora o verão. vejo os patos bravos à tardinha
para que exílio os leva seu geométrico voo?
e o rumor do mar lá ao fundo
dizia: mãe, eu vou com as aves
porque as palavras do Eugénio sempre deixam marca
como nódoa de pêssego na camisa de domingo
que desesperava toda a mulher
e íamos à festa a aboim
passávamos a cruz de mós, o silêncio
dos carvalhais emboscados na noite
íamos a aboim pelo alegria de caminhar
no labirinto da noite, os carros dos emigrantes
que nos atiravam para as bermas e o pó
a emaranhar-se no cabelo. no verão antigo
fumávamos cigarros, só cigarros
cinco quilómetros sempre a subir
pela estrada de terra batida e eis o esplendor de aboim
no cume da serra canhestro conjunto musical a animar o povo
da alegria sazonal
como por essas bandas nada se abichava
bebia-se vinho e cerveja na infusa três colheres
de açúcar amarelo. o silêncio já orvalhado dos carvalhais
e os automóveis incendiando a escuridão. no verão
antigo procurávamos a felicidade nos sítios mais improváveis.
não cheirava a sargaço
havia libelinhas maçãs bravo de esmolfe ainda verdes
água limpa, a furiosa paixão pelo tangível
versos do ramos rosa: estou vivo e escrevo sol
muita cerveja na solidão nocturna
agora o verão. vejo os patos bravos à tardinha
para que exílio os leva seu geométrico voo?
e o rumor do mar lá ao fundo
dizia: mãe, eu vou com as aves
porque as palavras do Eugénio sempre deixam marca
como nódoa de pêssego na camisa de domingo
que desesperava toda a mulher
e íamos à festa a aboim
passávamos a cruz de mós, o silêncio
dos carvalhais emboscados na noite
íamos a aboim pelo alegria de caminhar
no labirinto da noite, os carros dos emigrantes
que nos atiravam para as bermas e o pó
a emaranhar-se no cabelo. no verão antigo
fumávamos cigarros, só cigarros
cinco quilómetros sempre a subir
pela estrada de terra batida e eis o esplendor de aboim
no cume da serra canhestro conjunto musical a animar o povo
da alegria sazonal
como por essas bandas nada se abichava
bebia-se vinho e cerveja na infusa três colheres
de açúcar amarelo. o silêncio já orvalhado dos carvalhais
e os automóveis incendiando a escuridão. no verão
antigo procurávamos a felicidade nos sítios mais improváveis.
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quinta-feira, 6 de agosto de 2009
segunda-feira, 3 de agosto de 2009
Um de agosto
Agora o verão
e já o inverno chega
um de agosto início do inverno
segundo os antigos: e bebiam aguardente
na manhã desse dia para afastar frios imaginários
agora o verão
na sombra das palavras
é agosto, gesto remoto: o fogo
da aguardente em memória
da sabedoria dos velhos.
tu não sabes
agora é verão no inverno
e já o inverno chega
um de agosto início do inverno
segundo os antigos: e bebiam aguardente
na manhã desse dia para afastar frios imaginários
agora o verão
na sombra das palavras
é agosto, gesto remoto: o fogo
da aguardente em memória
da sabedoria dos velhos.
tu não sabes
agora é verão no inverno
domingo, 26 de julho de 2009
sábado, 25 de julho de 2009
Osso de ave
quando dizes lobo
a noite estremece, a tua voz
submersa
como osso de ave
restos de folhas e desejo
no coração do bosque.
o bosque da magnólia
branca que convoco
quando dizes lobo
e os caminhos velhos
iluminados pelo medo
do lume das bruxas.
tu sabes,
escrever com a memória
é amargo ofício.
a noite estremece, a tua voz
submersa
como osso de ave
restos de folhas e desejo
no coração do bosque.
o bosque da magnólia
branca que convoco
quando dizes lobo
e os caminhos velhos
iluminados pelo medo
do lume das bruxas.
tu sabes,
escrever com a memória
é amargo ofício.
quinta-feira, 23 de julho de 2009
Ainda os pombos bravos
tu não sabes, o voo dos pombos
bravos é determinado, a mesma frieza
de manhã de dezembro. mas agora o verão
da dança insana da ventania
folhas ainda de plátano na rua
como palavras vazias
agora o verão
tu não sabes
vilarinho de negrões
viade de passagem outra vez de passagem
de súbito o povo de fiães do rio
e um nome límpido rompe a serenidade da tarde
bento gonçalves
memória redimida
o facho da utopia levantado
renascido numa casa humilde
na discreta aldeia
a bárbara morte no tarrafal
tão longe da sereníssina luz
que ilumina os carvalhais
bravos é determinado, a mesma frieza
de manhã de dezembro. mas agora o verão
da dança insana da ventania
folhas ainda de plátano na rua
como palavras vazias
agora o verão
tu não sabes
vilarinho de negrões
viade de passagem outra vez de passagem
de súbito o povo de fiães do rio
e um nome límpido rompe a serenidade da tarde
bento gonçalves
memória redimida
o facho da utopia levantado
renascido numa casa humilde
na discreta aldeia
a bárbara morte no tarrafal
tão longe da sereníssina luz
que ilumina os carvalhais
quinta-feira, 16 de julho de 2009
ver o mar
muito sargaço na areia e ninguém o apanha
como na subsistente agricultura
lavoura de fome, medos, chuvas frias
sem concertina, sem canto ao desafio
talvez as mulheres de a-ver-o-mar
já não sejam batidas pelos seus homens
dramas marinhos arrastados na onda do tempo
o sargaço na areia branca: a manchar o estio
ou a açular a memória?
de repente os pombos bravos num voo
cada vez mais alto
dor antiga que te inquieta
como na subsistente agricultura
lavoura de fome, medos, chuvas frias
sem concertina, sem canto ao desafio
talvez as mulheres de a-ver-o-mar
já não sejam batidas pelos seus homens
dramas marinhos arrastados na onda do tempo
o sargaço na areia branca: a manchar o estio
ou a açular a memória?
de repente os pombos bravos num voo
cada vez mais alto
dor antiga que te inquieta
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terça-feira, 14 de julho de 2009
Na manhã fria os pombos bravos
na manhã fria os pombos bravos
é imagem para sempre
depois do voo súbito, halo
de silêncio no pinhal: só o estalido
do gelo trilhado, só a dor antiga e os cães
os cães no rasto, pai.
agora o verão
as palavras em redor da magnólia
dou-lhes água afago-as
como perdigueiros tristes
e nenhuma levanto da terra
são palavras andarilhas
vieram de maio cheiram a ervas bravas do rio
é imagem para sempre
depois do voo súbito, halo
de silêncio no pinhal: só o estalido
do gelo trilhado, só a dor antiga e os cães
os cães no rasto, pai.
agora o verão
as palavras em redor da magnólia
dou-lhes água afago-as
como perdigueiros tristes
e nenhuma levanto da terra
são palavras andarilhas
vieram de maio cheiram a ervas bravas do rio
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domingo, 12 de julho de 2009
Os pombos bravos
quando dizes lobo
retomo a grafia da terra
afectos caídos nas toalhas de linho
e os cães, sei os nomes
vejo-os a seguir o rasto
pai, olhe os cães
no frio da manhã os pombos bravos
e eu sonhava um dia ter também caçadeira
para provar o meu pai que os pombos voavam a distância de tiro
chumbo cinco, talvez, pólvora nobel
a ave caindo redonda com uma maçã
no chavascal, esquartejada
em breves segundos de rosnar e sangue
cão de coelho despreza caça de pena
tu sabes, a grafia da terra
traz sempre uma dor antiga
agora o verão, agora o verão quando dizes lobo
o verão e os devaneios do repouso, os cães dormem à sombra
nenhuma dor antiga os abala nenhuma
lembrança os alvoroça
retomo a grafia da terra
afectos caídos nas toalhas de linho
e os cães, sei os nomes
vejo-os a seguir o rasto
pai, olhe os cães
no frio da manhã os pombos bravos
e eu sonhava um dia ter também caçadeira
para provar o meu pai que os pombos voavam a distância de tiro
chumbo cinco, talvez, pólvora nobel
a ave caindo redonda com uma maçã
no chavascal, esquartejada
em breves segundos de rosnar e sangue
cão de coelho despreza caça de pena
tu sabes, a grafia da terra
traz sempre uma dor antiga
agora o verão, agora o verão quando dizes lobo
o verão e os devaneios do repouso, os cães dormem à sombra
nenhuma dor antiga os abala nenhuma
lembrança os alvoroça
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sábado, 11 de julho de 2009
O pão dos campos
Quando dizes lobo fogem palavras
das urzes: memória cinegética outra vez,
e não queria, e não queria. merouço
ribeiro da gândara. babaite, estranho
nome: babaite, as levadas de babaite
cães aflitos no rasto o gesto do pai a impor silêncio
porque o silêncio ( já o disse) é a astúcia
dos predadores, aflito coelho a iludir os cães
no tumultuoso silvaredo, irrompe
célere animal de medo na clareira
a cambalhota parte é da morte veloz
pólvora queimada no ar húmido
da manhã: vivesse mil anos jamais esqueceria
esse odor de morte e contentamento
o pai afoita os cães nas levadas de babaite,
memória cinegética sobressaltada
quando dizes lobo
o pão dos campos recolhido
metáfora de subsistência: o pão dos campos
da minha infância que era o milho
pai, afoite os cães
o pão dos campos ainda e a curiosa forma de o medir
a vessada da ribeirinhas dá três carros de pãocarros de bois, entenda-se, a chiar lentamente
pela miséria real dentro. o pai afoita a matilha
sei os nomes desses remotos cães de caça
por vezes trago-os para a escrita
alguns (agora o verão) farejam a palavra hidranja
e logo adormecem
quando dizes lobo, levantam o pêlo do dorso
procuram o meu auxílio
das urzes: memória cinegética outra vez,
e não queria, e não queria. merouço
ribeiro da gândara. babaite, estranho
nome: babaite, as levadas de babaite
cães aflitos no rasto o gesto do pai a impor silêncio
porque o silêncio ( já o disse) é a astúcia
dos predadores, aflito coelho a iludir os cães
no tumultuoso silvaredo, irrompe
célere animal de medo na clareira
a cambalhota parte é da morte veloz
pólvora queimada no ar húmido
da manhã: vivesse mil anos jamais esqueceria
esse odor de morte e contentamento
o pai afoita os cães nas levadas de babaite,
memória cinegética sobressaltada
quando dizes lobo
o pão dos campos recolhido
metáfora de subsistência: o pão dos campos
da minha infância que era o milho
pai, afoite os cães
o pão dos campos ainda e a curiosa forma de o medir
a vessada da ribeirinhas dá três carros de pãocarros de bois, entenda-se, a chiar lentamente
pela miséria real dentro. o pai afoita a matilha
sei os nomes desses remotos cães de caça
por vezes trago-os para a escrita
alguns (agora o verão) farejam a palavra hidranja
e logo adormecem
quando dizes lobo, levantam o pêlo do dorso
procuram o meu auxílio
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quarta-feira, 8 de julho de 2009
Quem diz lobo
a lua. olho-a. a lua
digo a palavra baixinho
e a palavra basta: é silêncio geométrico
uma memória de afectos
que torna dóceis os lobos enamorados. A lua
deixo rolar a palavra nos lábios, os lobos
os lobos também: os lobos caídos
no fojo de s. bento de guavieiras
onde fica essa terra
quem diz lobo
quem diz: agora o verão
digo a palavra baixinho
e a palavra basta: é silêncio geométrico
uma memória de afectos
que torna dóceis os lobos enamorados. A lua
deixo rolar a palavra nos lábios, os lobos
os lobos também: os lobos caídos
no fojo de s. bento de guavieiras
onde fica essa terra
quem diz lobo
quem diz: agora o verão
segunda-feira, 6 de julho de 2009
O rumor na pele
agora o verão. emigram rostos
algumas memórias adormecidas
felino sossego na sombra
da magnólia. o rumor marinho lateja
na pele. nenhuma palavra
nenhuma palavra talvez
se emaranha no sargaço
nenhuma palavra procuro.
agora o verão, suave
escrita:todo o silêncio
da mãe no olhar sereníssimo
que grita que perdoa
ama e nos abraça e nos leva
e nos leva pelo longe.
algumas memórias adormecidas
felino sossego na sombra
da magnólia. o rumor marinho lateja
na pele. nenhuma palavra
nenhuma palavra talvez
se emaranha no sargaço
nenhuma palavra procuro.
agora o verão, suave
escrita:todo o silêncio
da mãe no olhar sereníssimo
que grita que perdoa
ama e nos abraça e nos leva
e nos leva pelo longe.
terça-feira, 30 de junho de 2009
MUSA DOMÉSTICA
Cheio d'inspiração,Lucano escreve:
O aureo estilete célere caminha
Como doirado insecto na tabuinha
Que a cera cobre de camada leve.
Por traz do Poeta, surge,alva de neve,
Polo Argentaria, dele se avizinha
E espreita os versos: nunca uma rainha
Tão jubiloso e nobre orgulho teve!
Nisto, a meio um verso, o poeta hesita;
Mas Pola, em doce voz, logo lhe dita
O hemistíquio fugaz que tanto o rala;
E ao escrevê-lo, febril,com mão nervosa,
Marco Lucano crê, sem dar p'la esposa,
Que é a própria Calíope quem fala...
Eugénio de Castro
in Camafeus Romanos
O aureo estilete célere caminha
Como doirado insecto na tabuinha
Que a cera cobre de camada leve.
Por traz do Poeta, surge,alva de neve,
Polo Argentaria, dele se avizinha
E espreita os versos: nunca uma rainha
Tão jubiloso e nobre orgulho teve!
Nisto, a meio um verso, o poeta hesita;
Mas Pola, em doce voz, logo lhe dita
O hemistíquio fugaz que tanto o rala;
E ao escrevê-lo, febril,com mão nervosa,
Marco Lucano crê, sem dar p'la esposa,
Que é a própria Calíope quem fala...
Eugénio de Castro
in Camafeus Romanos
sábado, 27 de junho de 2009
domingo, 21 de junho de 2009
Vísceras caídas em grandes alguidares
agora o verão
o milho pego na aldeia de mós
entre o cume da serra e o céu.
fome antiga em semente rara
e o delírio das águas
na levada tolhida pelo abandono
truncada por entulhos e silvedos.
agora o verão:lateja a memória
sob a ramada um nome levantado
do fundo do silêncio: o do homem
que matava porcos
vísceras caídas em grandes alguidares
agora o verão, a palavra fogo cercando os montes
a palavra fogo cheira a rama de eucalipto
o pai reaprende a marcha
dos homens,sede de vida por circunscrever
o milho pego na aldeia de mós
entre o cume da serra e o céu.
fome antiga em semente rara
e o delírio das águas
na levada tolhida pelo abandono
truncada por entulhos e silvedos.
agora o verão:lateja a memória
sob a ramada um nome levantado
do fundo do silêncio: o do homem
que matava porcos
vísceras caídas em grandes alguidares
agora o verão, a palavra fogo cercando os montes
a palavra fogo cheira a rama de eucalipto
o pai reaprende a marcha
dos homens,sede de vida por circunscrever
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sexta-feira, 19 de junho de 2009
Agora o verão
Agora o verão. dobro as memórias
de maio, talvez as guarde no bolso
ou na caixa grande onde a avó recolhia
a toalha de linho e maçãs amadureciam.
agora o verão.
de maio, talvez as guarde no bolso
ou na caixa grande onde a avó recolhia
a toalha de linho e maçãs amadureciam.
agora o verão.
sábado, 13 de junho de 2009
"Boa noite. Eu vou com as aves"
Do tempo da infância, Eugénio de Andrade, "de abundante" apenas conheceu "o sol e a água". À língua portuguesa deixa vasta herança: uma obra luminosa, musical, marcada pelo rigor da palavra. O poeta morreu faz agora quatro anos, no Porto. Parte da infância, a tal de sol e água em abundância, passou-a na aldeia da Póvoa da Atalaia, no concelho do Fundão. Era filho de camponeses, dizia. De abundante, na infância e pela vida fora, teve ainda a ternura da mãe. É ao lado da mãe que abandona a aldeia e parte para Castelo Branco, onde aprende as primeiras letras. Ao lado da mãe vê pela primeira vez a claridade de Lisboa: "Ela certamente a pensar no homem que sempre amara, eu com o mar na cabeça, de que tanto lhe ouvira falar". É em Lisboa, para onde vai viver em 1932, que o jovem de olhos claros chamado José Fontinhas - Eugénio de Andrade para sempre a partir da publicação do primeiro livro - convive com o pai. Mas dessa relação distante, envolta em ressentimentos, pouco ou quase nada fica. O amor pela mãe era único e pleno, sem espaço para mais ninguém. E, no entanto, "No mais fundo de ti,/eu sei que traí, mãe!// Tudo porque já não sou/o retrato adormecido/no fundo dos teus olhos!" Eugénio de Andrade escreve os primeiros versos em Lisboa. E inicia o encontro, pelas bibliotecas públicas, da palavra dos outros. Dos outros poetas. Um deles é António Botto, a quem mostra os primeiros textos . Um livro de Botto – Ciúme – havia impressionado profundamente o jovem poeta. "Voltei a sentir a terra faltar-me debaixo dos pés. Pedi explicações: que significava aquilo de amor para outro homem?". Estimulado por António Botto, corria o ano de 1939, publica numa plaquette o poema Narciso, assina com o seu nome civil, que cedo rejeitará. Seguem-se outras obras que mais tarde recusará parcialmente. A consagração surge em 1948: As Mãos e os Frutos recolhe rasgados elogios da crítica mais exigente. A partir daí, torna-se referência das letras portuguesas. A sua poesia, ao contrário de outros autores, continua e continuará a cativar as novas gerações de leitores - porque é límpida, aparentemente simples, tem ritmo, musicalidade.
PALAVRA COM ENDEREÇO. Ao invés de outros companheiros da sua geração, o autor de Rosto Precário não fez da palavra uma arma política. "O acto poético", defendia, "é o empenho total do ser para a sua revelação. Este fogo do conhecimento que é também o fogo do amor, em que o poeta se exalta e consome, é a sua moral. E não há outra". Eugénio, no entanto, escreveu poemas com endereço: para Che Guevara, José Dias Coelho ou Catarina Eufémia. Palavras por encomenda do editor e amigo José da Cruz Santos. Um dos mais belos poemas a Vasco Gonçalves tem, aliás, a sua assinatura: "(...) De tantas palavras que disseste algumas/ se perdiam, outras duram ainda, são lume/ breve arado ceia de pobre roupa remendada./ Habitavas a terra, o comum da terra, e a paixão/ era morada e instrumento de alegria. /Esse eras tu: inclinação da água. Na margem/ vento areias lábios, tudo ardia."
EXIGIA SILÊNCIO. As palavras são o ofício do poeta. "São a nossa condenação", dizia. Ou também, como escreveu recentemente Daniel Faria, "o alimento derradeiro". Eugénio gostava das suas palavras, escolhidas com rigor depois de limpas e enxugadas, e das palavras do outros. Por isso, é um dos nossos melhores tradutores de Federico Garcia Lorca e de outros autores de língua castelhana.
Como antologiador, deixa marca em obras como Daqui Houve Portugal, a antologia mais completa sobre o Porto - cidade para onde foi viver na década de cinquenta. Eugénio foi, como o mesmo rigor que impunha à sua escrita, um divulgador da poesia. Gostava de dizer os seus versos aos leitores mais jovens. Raramente recusava um convite para mostrar a sua arte nas escolas. Mas impunha uma firme condição: as palavras são como cristais, o mínimo ruído podia poluí-las: exigia silêncio. E assim, quase sempre, eram escutadas as suas frágeis palavras.
DÓCEIS ANIMAIS. Gostava das palavras dos outros, mas tinha de ser ele a descobri-las. Um dia, na Livraria Leitura, uma poetisa viu Eugénio e apressou-se a comprar um livro da sua lavra e a oferecê-lo ao poeta. O autor de O Peso da Sombra ficou deveras desagradado com a generosidade da companheira de letras. Mal a poetisa virou costas, Eugénio atirou com o livro, com dedicatória e tudo, para o caixote de lixo mais próximo.
Outras das suas paixões eram os gatos. Foram durante muitos anos os seus silenciosos companheiros da noite. Essa admiração aos pequenos felinos, que conhecem a casa mas não conhecem o dono, fica firmada em vários poemas que lhes dedicou. No ano passado, todos os poemas sobre gatos surgiram no livro Os Dóceis Animais , ilustrado por Cristina Valadas, editado pela ASA. Há cerca de 25 anos, Eugénio encontra outro motivo para partilhar o seu amor: Miguel, o afilhado que o poeta trataria como "o filho que nunca tive". Era Eugénio que levava a criança a escola, ajudava-a a executar os trabalhos de casa. Temia pelo menino quando o temporal se abatia sobre a cidade do Porto. Numa noite de grande intempérie - o poeta não gostava de sair à noite - chegou mesmo a chamar um táxi para ir a casa do Miguel confirmar se estava tudo bem.
O NOBEL NÃO CHEGOU. Em 2001, Eugénio foi distinguido com o Prémio Camões. Soube da notícia a olhar o mar, na Foz, na casa -fundação que tem o seu nome. Ficou feliz com a distinção, mas deixou fugir um lamento: "Os prémios literários vêm sempre tarde". Deviam ser atribuídos quando ainda se é novo; nessa altura, sim, o dinheiro teria outro valor. Teria permitido ao poeta viajar mais e sem sacrifícios. Em 1948, quando publicou As Mãos e os Frutos, "para ir à Grécia, tive de vender alguns livros e quadros que amigos meus me tinham oferecido". O Prémio Camões foi pouco para alguém que, por certo, desejaria mais. Mas o Nobel "é impensável! Em Portugal aconteceu uma vez, não voltará a suceder tão cedo. Não há nenhum membro da Academia Sueca que leia português", dizia Eugénio. E "eu também não escrevo para ganhar prémios". Depois, argumentava o autor de Matéria Solar, "o Nobel é um prémio como outro qualquer, só dá mais dinheiro, mas não tem importância nenhuma". Rigoroso com a imagem, o poeta recusou deixar-se fotografar para os jornais quando foi distinguido com o Camões, "acho um excesso os jornais quererem tirar retratos nos dias dos prémios...". À primeira vista, poder-se-ia pensar que o poeta seria adverso ao culto da imagem. Mas basta uma visita à Fundação Eugénio de Andrade, a casa onde viveu os últimos anos, para se afastar as dúvidas: em todas as paredes há retratos e fotografias do poeta, além de bustos e outras estatuetas. Por onde passava, conta quem o conheceu de perto, ele tinha de ser a primeira figura. Só mesmo a vaidade de Jorge de Sena era suficientemente forte para ofuscar a presença de Eugénio.
"O amor da transparência é a minha fraqueza, mas a minha força também. Não significa o que digo que não haja em mim, e na poesia que faço, zonas de sombra", escreveu o poeta no catálogo da exposição sobre a sua obra, realizada no Porto em 1976. Foi a primeira grande homenagem nacional ao autor de Véspera de Água. Quando completou 80 anos, o Porto – uma vez mais por iniciativa do editor e amigo José da Cruz Santos – voltou a homenagear Eugénio de Andrade.
NÃO ESQUECI NADA. O poeta não esteve presente. A doença degenerativa já o amarfanhava. Os derradeiros anos da vida foram terríveis; as palavras – razão da vida toda – abandonavam lentamente aquele que mais as amou. "Já não se passa absolutamente nada. /E no entanto, antes das palavras gastas, /tenho a certeza/de que todas as coisas estremeciam/só de murmurar o teu nome/ no silêncio do meu coração.//Não temos já nada para dar. / Dentro de ti/não há nada que me peça água./O passado é inútil como um trapo./E já te disse: as palavras estão gastas. //Adeus."
O filho de camponeses - que passou a infância numa dessas aldeia da Beira Baixa "que prolongam o Alentejo e, desde pequeno, de abundante" apenas conheceu sol e água, partiu às primeiras horas da madrugada. Longe, muito longe da terra onde nasceu. A derradeira caminhada do poeta de Branco no Branco :
«Não me esqueci de nada, mãe. /Guardo a tua voz dentro de mim./ E deixo-te as rosas.../Boa noite. Eu vou com as aves!"
PALAVRA COM ENDEREÇO. Ao invés de outros companheiros da sua geração, o autor de Rosto Precário não fez da palavra uma arma política. "O acto poético", defendia, "é o empenho total do ser para a sua revelação. Este fogo do conhecimento que é também o fogo do amor, em que o poeta se exalta e consome, é a sua moral. E não há outra". Eugénio, no entanto, escreveu poemas com endereço: para Che Guevara, José Dias Coelho ou Catarina Eufémia. Palavras por encomenda do editor e amigo José da Cruz Santos. Um dos mais belos poemas a Vasco Gonçalves tem, aliás, a sua assinatura: "(...) De tantas palavras que disseste algumas/ se perdiam, outras duram ainda, são lume/ breve arado ceia de pobre roupa remendada./ Habitavas a terra, o comum da terra, e a paixão/ era morada e instrumento de alegria. /Esse eras tu: inclinação da água. Na margem/ vento areias lábios, tudo ardia."
EXIGIA SILÊNCIO. As palavras são o ofício do poeta. "São a nossa condenação", dizia. Ou também, como escreveu recentemente Daniel Faria, "o alimento derradeiro". Eugénio gostava das suas palavras, escolhidas com rigor depois de limpas e enxugadas, e das palavras do outros. Por isso, é um dos nossos melhores tradutores de Federico Garcia Lorca e de outros autores de língua castelhana.
Como antologiador, deixa marca em obras como Daqui Houve Portugal, a antologia mais completa sobre o Porto - cidade para onde foi viver na década de cinquenta. Eugénio foi, como o mesmo rigor que impunha à sua escrita, um divulgador da poesia. Gostava de dizer os seus versos aos leitores mais jovens. Raramente recusava um convite para mostrar a sua arte nas escolas. Mas impunha uma firme condição: as palavras são como cristais, o mínimo ruído podia poluí-las: exigia silêncio. E assim, quase sempre, eram escutadas as suas frágeis palavras.
DÓCEIS ANIMAIS. Gostava das palavras dos outros, mas tinha de ser ele a descobri-las. Um dia, na Livraria Leitura, uma poetisa viu Eugénio e apressou-se a comprar um livro da sua lavra e a oferecê-lo ao poeta. O autor de O Peso da Sombra ficou deveras desagradado com a generosidade da companheira de letras. Mal a poetisa virou costas, Eugénio atirou com o livro, com dedicatória e tudo, para o caixote de lixo mais próximo.
Outras das suas paixões eram os gatos. Foram durante muitos anos os seus silenciosos companheiros da noite. Essa admiração aos pequenos felinos, que conhecem a casa mas não conhecem o dono, fica firmada em vários poemas que lhes dedicou. No ano passado, todos os poemas sobre gatos surgiram no livro Os Dóceis Animais , ilustrado por Cristina Valadas, editado pela ASA. Há cerca de 25 anos, Eugénio encontra outro motivo para partilhar o seu amor: Miguel, o afilhado que o poeta trataria como "o filho que nunca tive". Era Eugénio que levava a criança a escola, ajudava-a a executar os trabalhos de casa. Temia pelo menino quando o temporal se abatia sobre a cidade do Porto. Numa noite de grande intempérie - o poeta não gostava de sair à noite - chegou mesmo a chamar um táxi para ir a casa do Miguel confirmar se estava tudo bem.
O NOBEL NÃO CHEGOU. Em 2001, Eugénio foi distinguido com o Prémio Camões. Soube da notícia a olhar o mar, na Foz, na casa -fundação que tem o seu nome. Ficou feliz com a distinção, mas deixou fugir um lamento: "Os prémios literários vêm sempre tarde". Deviam ser atribuídos quando ainda se é novo; nessa altura, sim, o dinheiro teria outro valor. Teria permitido ao poeta viajar mais e sem sacrifícios. Em 1948, quando publicou As Mãos e os Frutos, "para ir à Grécia, tive de vender alguns livros e quadros que amigos meus me tinham oferecido". O Prémio Camões foi pouco para alguém que, por certo, desejaria mais. Mas o Nobel "é impensável! Em Portugal aconteceu uma vez, não voltará a suceder tão cedo. Não há nenhum membro da Academia Sueca que leia português", dizia Eugénio. E "eu também não escrevo para ganhar prémios". Depois, argumentava o autor de Matéria Solar, "o Nobel é um prémio como outro qualquer, só dá mais dinheiro, mas não tem importância nenhuma". Rigoroso com a imagem, o poeta recusou deixar-se fotografar para os jornais quando foi distinguido com o Camões, "acho um excesso os jornais quererem tirar retratos nos dias dos prémios...". À primeira vista, poder-se-ia pensar que o poeta seria adverso ao culto da imagem. Mas basta uma visita à Fundação Eugénio de Andrade, a casa onde viveu os últimos anos, para se afastar as dúvidas: em todas as paredes há retratos e fotografias do poeta, além de bustos e outras estatuetas. Por onde passava, conta quem o conheceu de perto, ele tinha de ser a primeira figura. Só mesmo a vaidade de Jorge de Sena era suficientemente forte para ofuscar a presença de Eugénio.
"O amor da transparência é a minha fraqueza, mas a minha força também. Não significa o que digo que não haja em mim, e na poesia que faço, zonas de sombra", escreveu o poeta no catálogo da exposição sobre a sua obra, realizada no Porto em 1976. Foi a primeira grande homenagem nacional ao autor de Véspera de Água. Quando completou 80 anos, o Porto – uma vez mais por iniciativa do editor e amigo José da Cruz Santos – voltou a homenagear Eugénio de Andrade.
NÃO ESQUECI NADA. O poeta não esteve presente. A doença degenerativa já o amarfanhava. Os derradeiros anos da vida foram terríveis; as palavras – razão da vida toda – abandonavam lentamente aquele que mais as amou. "Já não se passa absolutamente nada. /E no entanto, antes das palavras gastas, /tenho a certeza/de que todas as coisas estremeciam/só de murmurar o teu nome/ no silêncio do meu coração.//Não temos já nada para dar. / Dentro de ti/não há nada que me peça água./O passado é inútil como um trapo./E já te disse: as palavras estão gastas. //Adeus."
O filho de camponeses - que passou a infância numa dessas aldeia da Beira Baixa "que prolongam o Alentejo e, desde pequeno, de abundante" apenas conheceu sol e água, partiu às primeiras horas da madrugada. Longe, muito longe da terra onde nasceu. A derradeira caminhada do poeta de Branco no Branco :
«Não me esqueci de nada, mãe. /Guardo a tua voz dentro de mim./ E deixo-te as rosas.../Boa noite. Eu vou com as aves!"
segunda-feira, 8 de junho de 2009
[O que fariam dessa liberdade]
Os intelectuais que não estão de acordo com o P.C. quanto à questão da liberdade deveriam perguntar a si próprios o que fariam dessa liberdade com que tanto se preocupam. E então veriam – afastadas as preguiças, os interesses inconfessados de cada um (vida cómoda, devaneio, sadismos elegantes) – que não existe caso em que dêem uma resposta diferente da resposta colectiva do P.C.
Cesare Pavese
In Ofício de Viver
Portugália Editora, 1968
Cesare Pavese
In Ofício de Viver
Portugália Editora, 1968
quarta-feira, 3 de junho de 2009
Animais humildes
as palavras, animais humildes
dormem enroscadas na sombra
das hidranjas. refugiam-se
do acerbo dos dias. quem as acorda
dormem enroscadas na sombra
das hidranjas. refugiam-se
do acerbo dos dias. quem as acorda
sábado, 30 de maio de 2009
S. Bento das Guavieiras
não encontrei os que vêm de maio e seu ledo
cortejo. digo, a palavra leva-me por trilhos
antigos, entre tojo molar e carqueja.
povo de s.bento das guavieiras
de que resta só o nome nas memórias
paroquiais de 1758 e o fojo, na garganta
da serra, para a pesca de lovos
e javalizes. lugar de martírio, rude memória
tangível.
cortejo. digo, a palavra leva-me por trilhos
antigos, entre tojo molar e carqueja.
povo de s.bento das guavieiras
de que resta só o nome nas memórias
paroquiais de 1758 e o fojo, na garganta
da serra, para a pesca de lovos
e javalizes. lugar de martírio, rude memória
tangível.
sexta-feira, 29 de maio de 2009
Que morre devagar
E de quem são as casas, pergunta o homem do saco de cabedal. Olhe, medraram da ruína tão lestas como tortulhos em grainha de uva. Foram nossas, do povo da aldeia que morreu devagar, porque ninguém tem pressa de ver Deus. Quem as explora? Disso não estou a par... Mas uma coisa é certa, desagrada-nos a pouca vergonha que arribou a esta terra. Até mulheres nuas, nuas como vieram ao mundo, nascem nas bordas do rio. Não é que a gente desgoste da caça. Sabe, a velhice: sentimos coelho na toca e falta-nos o furão, entende. De quem são as casas? Ó amigo, será que eu falo galego!
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"o home do saco de cabedal"
quarta-feira, 27 de maio de 2009
O amante
Era devoto do vinho. Com a Primavera desaguava no café próximo do escola secundária. Lentamente, espiava as pernas das raparigas. Algumas incendiavam a cena: erguiam as saias, abriam as pernas, desabotoavam a blusa. Ele lambia-se de desejo. Ou seria tão só, afinal, o desejo do desejo. Abandonava o posto de vigia; na rua, a canalha acirrava-o com apupos. Um dia, surgiu leve, cabelo de risca à banda, casaco branco e um cigarro – extra-longo – entre os dedos da mão direita. Na outra, uma rosa de Alexandria. Deixou fugir um olhar de desdém, encenado, ao encontro das raparigas. Uma garrafa de água, por favor. Os professores de religião e moral, nesse mesmo dia, marcaram uma reunião de emergência.
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"O homem do saco de cabedal"
terça-feira, 19 de maio de 2009
Veloz primavera
agora a andorinha
rente ao chão
veloz primavera
nos olhos do gato
rente ao chão
veloz primavera
nos olhos do gato
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"Pequeno livro da terra",
gatos
quinta-feira, 14 de maio de 2009
Cerejas
partilho as cerejas com a fome autóctone
das aves. maio, espantoso maio: tudo visita
a cerejeira, no fundo do quintal.rubra doçura.
das aves. maio, espantoso maio: tudo visita
a cerejeira, no fundo do quintal.rubra doçura.
quarta-feira, 6 de maio de 2009
Rio de montanha
a truta na sombra do salgueiro
caída na água
um gesto, o estalido de ramo seco
e tudo se perde. maio, o coração
precário de maio
caída na água
um gesto, o estalido de ramo seco
e tudo se perde. maio, o coração
precário de maio
quarta-feira, 29 de abril de 2009
verde mais verde
Cúmplice de Madame Bovary
no metro que atravessa a manhã
mais verde o silêncio das árvores
depois das chuvas
os campos lavrados
pressentem o secreto fogo de maio
verde mais verde
o metro pelo meio do arvoredo
no metro que atravessa a manhã
mais verde o silêncio das árvores
depois das chuvas
os campos lavrados
pressentem o secreto fogo de maio
verde mais verde
o metro pelo meio do arvoredo
sábado, 25 de abril de 2009
Era Um Redondo Vocábulo
Era um redondo vocábulo
Uma soma agreste
Revelavam-se ondas
Em maninhos dedos
Polpas seus cabelos
Resíduos de lar
Pelos degraus de Laura
A tinta caía
No móvel vazio
Convocando farpas
Chamando o telefone
Matando baratas
A fúria crescia
Clamando vingança
Nos degraus de Laura
No quarto das danças
Na rua os meninos
Brincavam e Laura
Na sala de espera
Inda o ar educa
José Afonso
(poemas escrito da prisão de Caxias)
In Textos e Canções, Relógio D'Água Editores
Uma soma agreste
Revelavam-se ondas
Em maninhos dedos
Polpas seus cabelos
Resíduos de lar
Pelos degraus de Laura
A tinta caía
No móvel vazio
Convocando farpas
Chamando o telefone
Matando baratas
A fúria crescia
Clamando vingança
Nos degraus de Laura
No quarto das danças
Na rua os meninos
Brincavam e Laura
Na sala de espera
Inda o ar educa
José Afonso
(poemas escrito da prisão de Caxias)
In Textos e Canções, Relógio D'Água Editores
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nos degraus de Laura
Felicidade na palma da mão
Houve um golpe de estado, disse a mãe. Eu não sabia o que era um golpe de estado. Mas sabia quando a mãe estava preocupada, quando fugia com o olhar dos nossos olhos. A esconder a tristeza, como se fosse possível cegar a tristeza… Nesse fim de manhã, era um rapaz feliz: tinha pescado uma truta. Descemos ao rio antes do sol nascer; as ervas e os ramos dos arbustos vergavam ainda de humidade – o brilho da noite que devagar se dissolvia na nossa roupa. Iludir as trutas é arte de pescador a sério: com galochas, cacifo de vime, licença de pesca no bolso do blusão verde, cigarro aceso depois de descravar o anzol das guelras da presa. Nessa manhã – eu e quatro companheiros – éramos pescadores furtivos. Em sobressalto. E eu pesquei a truta, no desfazer da corrente!
Por instantes, creio, a natureza parou. Envolvia-me, em silêncio, com esse olhar verde e húmido de manhã primaveril. Só o meu coração recusava amainar (como pode um adolescente reprimir o coração?).E os outros rapazes atravessaram o rio, compreensível inveja agachada por detrás dos sorrisos (desses sorrisos de romã madura); e vieram contemplar o peixe das pintas vermelhas. E eu, predador generoso, permiti-lhes que vissem a truta na palma da mão.
Quando cheguei a casa, trazia um saco de plástico (furtivo não usa cacifo de vime) cheio de felicidade e a truta maior do mundo. A maior do mundo! Houve um golpe de estado, disse a mãe. Fiquei em silêncio, aturdido, a olhar a mãe tecendo a estranha tormenta. Quando pousou o auscultador negro, a mãe parecia mais leve. Caiu o fascismo, disse, sem ponto de exclamação, a mãe. Eu sorri, porque uma réstia de felicidade, da minha felicidade, evadiu-se do saco de plástico e entrou nos olhos da mãe.
Caiu o fascismo, repeti na escola. Houve um golpe de estado. E os meus colegas, incluindo os companheiros de pesca, olharam-me, atónitos – como se eu estivesse a afrontar a professora. Caiu o fascismo, disse com mais coragem, porque guardava no bolso o brilho dos olhos da mãe,
E tu sabes o que é o fascismo?
A voz ecoou na sala, fisgada imprevista. Estremeci. Os olhos dos colegas abraçados a mim: uns em cúmplice socorro; outros a repastarem a minha dúvida. Houve um golpe de estado, senhora professora, disse, sem ponto de exclamação. No bolso, mão aflita impedia a fuga da felicidade (como se a felicidade fosse um grilo assustado).
Só a meio da tarde, os meus colegas e eu próprio começámos a desvendar o enigma das minhas palavras. A aula de Francês (como se chamava o professor que nos fazia perguntas de dentro da televisão?) foi interrompida abruptamente. E apareceu um militar, podia ser nosso irmão mais velho, e pedia-nos serenidade. Aquele recado, cheguei a pensar, seria para a professora: por demorar a engolir o espanto.
Caiu o fascismo, disse.
Arrumem depressa as vossas coisas, disse a professora, como se forte nevão ameaçasse lá fora.
Mas era já o tempo dos lírios. A estação dos colares que fazíamos com as hastes, floridas, das abróteas. Tenros colares para secretíssimas paixões. Saímos a correr, a pisar um mundo novo. E os meus colegas, só os rapazes, formavam um círculo irrequieto à minha volta. Pesquei uma truta! Sim, deste tamanho,
E tem pintinhas vermelhas?
Caiu o fascismo! Disse com ponto de exclamação. Meti a mão ao bolso e não encontrei a felicidade: luzia nos olhos dos outros rapazes.
O dia em que pesquei a primeira truta (pouco maior do que um dedo…) marca a minha vida.
A nossa vida.
(In O Medo Não Podia Ter Tudo, Augusto Baptista \Francisco Duarte Mangas; ed, Campo das Letras, 1999)
Por instantes, creio, a natureza parou. Envolvia-me, em silêncio, com esse olhar verde e húmido de manhã primaveril. Só o meu coração recusava amainar (como pode um adolescente reprimir o coração?).E os outros rapazes atravessaram o rio, compreensível inveja agachada por detrás dos sorrisos (desses sorrisos de romã madura); e vieram contemplar o peixe das pintas vermelhas. E eu, predador generoso, permiti-lhes que vissem a truta na palma da mão.
Quando cheguei a casa, trazia um saco de plástico (furtivo não usa cacifo de vime) cheio de felicidade e a truta maior do mundo. A maior do mundo! Houve um golpe de estado, disse a mãe. Fiquei em silêncio, aturdido, a olhar a mãe tecendo a estranha tormenta. Quando pousou o auscultador negro, a mãe parecia mais leve. Caiu o fascismo, disse, sem ponto de exclamação, a mãe. Eu sorri, porque uma réstia de felicidade, da minha felicidade, evadiu-se do saco de plástico e entrou nos olhos da mãe.
Caiu o fascismo, repeti na escola. Houve um golpe de estado. E os meus colegas, incluindo os companheiros de pesca, olharam-me, atónitos – como se eu estivesse a afrontar a professora. Caiu o fascismo, disse com mais coragem, porque guardava no bolso o brilho dos olhos da mãe,
E tu sabes o que é o fascismo?
A voz ecoou na sala, fisgada imprevista. Estremeci. Os olhos dos colegas abraçados a mim: uns em cúmplice socorro; outros a repastarem a minha dúvida. Houve um golpe de estado, senhora professora, disse, sem ponto de exclamação. No bolso, mão aflita impedia a fuga da felicidade (como se a felicidade fosse um grilo assustado).
Só a meio da tarde, os meus colegas e eu próprio começámos a desvendar o enigma das minhas palavras. A aula de Francês (como se chamava o professor que nos fazia perguntas de dentro da televisão?) foi interrompida abruptamente. E apareceu um militar, podia ser nosso irmão mais velho, e pedia-nos serenidade. Aquele recado, cheguei a pensar, seria para a professora: por demorar a engolir o espanto.
Caiu o fascismo, disse.
Arrumem depressa as vossas coisas, disse a professora, como se forte nevão ameaçasse lá fora.
Mas era já o tempo dos lírios. A estação dos colares que fazíamos com as hastes, floridas, das abróteas. Tenros colares para secretíssimas paixões. Saímos a correr, a pisar um mundo novo. E os meus colegas, só os rapazes, formavam um círculo irrequieto à minha volta. Pesquei uma truta! Sim, deste tamanho,
E tem pintinhas vermelhas?
Caiu o fascismo! Disse com ponto de exclamação. Meti a mão ao bolso e não encontrei a felicidade: luzia nos olhos dos outros rapazes.
O dia em que pesquei a primeira truta (pouco maior do que um dedo…) marca a minha vida.
A nossa vida.
(In O Medo Não Podia Ter Tudo, Augusto Baptista \Francisco Duarte Mangas; ed, Campo das Letras, 1999)
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tempo dos lírios
terça-feira, 21 de abril de 2009
Os caçadores de maio
os que vêm de maio limpam os instrumentos
da alegria. parecem caçadores que afagam os cães
pesam a pólvora em minúsculas balanças de dois pratos
rebordam cartuchos da casa barral. como se isso fosse
ritual de alquimia capaz de saltar por cima do tempo. os que vêm
de maio bebem chá de erva cidreira, esquecem o tumulto
de amores passados mudam de palavra como as árvores
mudam de folha. daqui a pouco voltam aos caminhos velhos
predadores de paisagens, predadores de passagem
tocados por uma inquietação antiga. e inexplicável.
da alegria. parecem caçadores que afagam os cães
pesam a pólvora em minúsculas balanças de dois pratos
rebordam cartuchos da casa barral. como se isso fosse
ritual de alquimia capaz de saltar por cima do tempo. os que vêm
de maio bebem chá de erva cidreira, esquecem o tumulto
de amores passados mudam de palavra como as árvores
mudam de folha. daqui a pouco voltam aos caminhos velhos
predadores de paisagens, predadores de passagem
tocados por uma inquietação antiga. e inexplicável.
quinta-feira, 16 de abril de 2009
Velatura
alfaias litúrgicas,
leio no catálogo
de alfarrabista. de repente
a aiveca triangular do arado
movido por vacas de leveza imaterial
sulca um imenso céu maninho.
que sabem os que vêm de maio
da palavra, da velatura do sonho?
leio no catálogo
de alfarrabista. de repente
a aiveca triangular do arado
movido por vacas de leveza imaterial
sulca um imenso céu maninho.
que sabem os que vêm de maio
da palavra, da velatura do sonho?
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terça-feira, 14 de abril de 2009
Arte de partejar
leio de passagem caniçó, codeçoso. topónimos esquecidos no fundo da infância: lembram, de repente, histórias do volfrâmio, de rojos fugidos da Guerra Civil de Espanha. e a arte de partejar no campo, a febre purpúrea do terceiro dia, fatal, quase sempre fatal.
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sábado, 4 de abril de 2009
Pelos teus lábios
No Maio como as cerejas pelos teus lábios. Diz o homem do saco de cabedal à rapariga. E a rapariga abandona o largo. A correr, como se fugisse de rude tempestade. Pouco depois, regressam a rapariga, os irmãos e o pai. Caminham lestos, incitados pelo silêncio,
Foi ele!
voz de fogo, voz de fúria.
Pausa breve.
O cerco, e o homem cai por terra, sangue vivo esponta nos lábios. A rapariga, os irmãos (são três) e o pai assim legam o desconhecido. Partem, leves e libertos.
Muito lentamente, o homem se levanta. Sacode as roupas, sacode a dor por gestos mais suaves ainda. Do bolso direito das calças tira o lenço: devagar, o lenço bebe o sangue dos lábios. Do outro bolso sai um cigarro: fuma-o, sozinho, no largo desabitado. Debruça-se, recolhe o saco de cabedal: avança, movimento dolorido, em direcção do nada. Antes de sair do largo (ou da página?), volta-se para mim (silencioso cronista), avisa-me: O narrador protege a personagem, foste tu o instigador do desacato!
Silencioso sou, silencioso fico.
Parado. O homem persiste parado, enxuga ainda os lábios como se os corrigisse. Aguarda, eu sei, uma palavra minha. Por outras aventuras andámos e nunca ninguém lhe fugiu ao respeito. Merece uma explicação, e eu não a sei desencantar. Que terá dito a rapariga à família de ódios silenciosos? Que fogo ancestral espavoriu como animal silvestre? Dos lábios da personagem apenas saiu uma pobre metáfora – e achava-a, erro meu, erro meu, saborosa como fruta da época.
Foi ele!
voz de fogo, voz de fúria.
Pausa breve.
O cerco, e o homem cai por terra, sangue vivo esponta nos lábios. A rapariga, os irmãos (são três) e o pai assim legam o desconhecido. Partem, leves e libertos.
Muito lentamente, o homem se levanta. Sacode as roupas, sacode a dor por gestos mais suaves ainda. Do bolso direito das calças tira o lenço: devagar, o lenço bebe o sangue dos lábios. Do outro bolso sai um cigarro: fuma-o, sozinho, no largo desabitado. Debruça-se, recolhe o saco de cabedal: avança, movimento dolorido, em direcção do nada. Antes de sair do largo (ou da página?), volta-se para mim (silencioso cronista), avisa-me: O narrador protege a personagem, foste tu o instigador do desacato!
Silencioso sou, silencioso fico.
Parado. O homem persiste parado, enxuga ainda os lábios como se os corrigisse. Aguarda, eu sei, uma palavra minha. Por outras aventuras andámos e nunca ninguém lhe fugiu ao respeito. Merece uma explicação, e eu não a sei desencantar. Que terá dito a rapariga à família de ódios silenciosos? Que fogo ancestral espavoriu como animal silvestre? Dos lábios da personagem apenas saiu uma pobre metáfora – e achava-a, erro meu, erro meu, saborosa como fruta da época.
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O homem do saco de cabedal
Abril
os cachos da glicínia
dão os primeiros sinais
de despedida. amargo mês
é o abril, que já foi fogo da utopia.
dão os primeiros sinais
de despedida. amargo mês
é o abril, que já foi fogo da utopia.
quinta-feira, 26 de março de 2009
quinta-feira, 12 de março de 2009
As árvores
as árvores tecem a luz
e ficam verdes.
sereníssima paciência.
são como os homens, dançam
no bosque
esvoaçam na ventania.tecem
o dia limpo
envelhecem no fogo dos frutos
na amargura dos musgos.
e ficam verdes.
sereníssima paciência.
são como os homens, dançam
no bosque
esvoaçam na ventania.tecem
o dia limpo
envelhecem no fogo dos frutos
na amargura dos musgos.
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as árvores pensam devagar
domingo, 8 de março de 2009
O mundo é a nossa casa
A Vida dos homens decorre no tempo. No tempo de vida e no tempo de viver.
Júlio Moreira
in O Mundo é a Nossa Casa
Júlio Moreira
in O Mundo é a Nossa Casa
quinta-feira, 5 de março de 2009
Caminho dos musgos
esta borrasca de pássaros
que atordoa a luz
da manhã. é bom olhar
assim tanta felicidade
alada: a que rompe o suave caminho
dos musgos. e, tu
sabes, virá o maio. andaremos
pelos montes, abundantes de
silêncio, cheios de paixão e mágoa.
que atordoa a luz
da manhã. é bom olhar
assim tanta felicidade
alada: a que rompe o suave caminho
dos musgos. e, tu
sabes, virá o maio. andaremos
pelos montes, abundantes de
silêncio, cheios de paixão e mágoa.
segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009
Peixes do rio
os que vêm de maio [breve o pousio
do tempo] acordam lentamente
como semente a sentir o suave
fogo da terra. cessa. a menina que fazia
brincos com as cerejas: cessa.
abandona os companheiros.
mas viagem verde continua, luminosa
pelas colinas. a mulher aprendeu
a frágil escrita florida
das magnólias. voltará: rosas bravas
e peixes do rio, ainda vivos, a saltar no avental.
do tempo] acordam lentamente
como semente a sentir o suave
fogo da terra. cessa. a menina que fazia
brincos com as cerejas: cessa.
abandona os companheiros.
mas viagem verde continua, luminosa
pelas colinas. a mulher aprendeu
a frágil escrita florida
das magnólias. voltará: rosas bravas
e peixes do rio, ainda vivos, a saltar no avental.
quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009
Madrid, Julho de 1936
À minha frente está o homem sentado. Veste um casaco branco. Na mesa vejo uma garrafa, um copo; a mão esquerda do homem sobre o braço da cadeira. A legenda diz-me: Madrid, Julho de 1936. Por detrás do homem, ao fundo, como numa natureza morta, outro homem fixa o rosto na posteridade. Mas o olhar e o sorriso breve do homem do casaco branco, em pose, alagam a cena. O brilho tímido dos olhos de animal acossado. A garrafa, o copo, a mão no braço da cadeira, a brancura do casaco, o rosto do outro homem ao fundo, o café, todo o café, diluem-se na timidez deste olhar premonitório. De vítima. Preciso de iludir esses olhos, perscrutam-me quando olho a fotografia. Preciso de iludir os olhos: só assim, sem agitar a natureza morta, poderei entrar no mês de Julho de mil novecentos e trinta e seis.
Selecciono um ponto preciso: a mão; a mão esquerda do homem do casaco branco. A fotografia observada desta forma precária, eu sei, perde o equilíbrio. Mas abre-me uma porta (uma janela?). Ao lado da mão, vejo agora uma cadeira vazia. É este o meu exíguo espaço na natureza morta. Entro na foto; sento-me na cadeira vazia, reservada para mim há muitos anos.
O homem do casaco branco não se apercebe da companhia. Mantém o olhar, levemente teatralizado, na direcção da objectiva – como se o fotógrafo estivesse ainda ali. Movo o olhar em redor: a mesma serenidade como quando, há pouco, observava a fotografia do lado de fora.
Como restituir a vida à natureza morta?
Com as palavras, diz-me o homem do casaco branco. E, de repente, abjura o rigor da pose; observa, minucioso, o meu espanto. Bem vindo. A sua mão direita, submersa na foto, emerge devagar: cumprimentamo-nos. Os franquistas vão matar-me no próximo mês de Agosto. Sabias? Não é esse episódio, decerto, que até aqui te traz. Ninguém profana o silêncio de uma fotografia para inquirir a morte. A minha pobre morte. Estás a ver: as palavras devolvem a vida, o movimento - a natureza morta (de que fazemos parte) ilumina-se como uma romã. O homem ao fundo faz um gesto, quase imperceptível, para o empregado (que só agora caminha na foto). Deposita na mesa a moeda; não a vejo, ouço-lhe o som a ressurtir do tampo. Ruído acintoso, comprovativo. Levanta-se, sai de cena. Não o sigo. Atravessará a rua deserta, creio, que cede claridade à fotografia. Não o persigo com os olhos.
Procuro nos bolsos do blusão o gravador; quero-o na mesa, ao lado da garrafa. É impossível prender o silêncio, diz-me o homem do casaco branco. Talvez tenha razão. Devolvo à clandestinidade do bolso o objecto. E para que serve o teatro? Esta a dúvida, afinal, que me levou a ocupar a cadeira vazia como quem entra em casa estranha pela janela. Antes de responder, permite-me duas observações. O meu sorriso é silvestre (já o disse noutra entrevista). Segundo: brilho tímido acha-se nos olhos de gente resignada. Eu sou, tu o disseste, um animal acossado. Sabes porquê? Fico do lado dos que não têm nada; ajudo-os a espavorir a resignação. Ora cá está: o teatro descativa, transforma os sentimentos. Eu sei, tu és do futuro. Sentaste-te na minha mesa, no preto e branco da foto, e não és deste tempo. As minhas arcaicas palavras podem (a)parecer inapreensíveis. Se habitasse o teu tempo, diria o mesmo. Faria o mesmo. Tirania como a de Bernarda Alba (era capaz de se sentar em cima do teu coração e ficar um ano a ver-te morrer...) continua no teu tempo. Adela, a jovem Adela, deixou irmãs em toda a parte, e nenhuma pisou ainda o caminho da felicidade. A busca da felicidade, imprevisto companheiro, é o acto mais revolucionário da História .
Desiludo-te, eu sei. Quando entraste na fotografia, julgaste que terias a entrevista da tua vida. Mais ou menos assim: o medo da morte (lembro: vou ser fuzilado em Agosto de trinta e seis) fez recuar este homem. Renegará os ideais libertários para sobreviver. Não, não traio. Portador de fogo, enfim, o meu destino. Tu sabes, vou morrer. Os livros ficam, as personagens darão de beber à minha voz. Os meus livros, os livros dos outros. Porque tudo vem nos livros, companheiro imprevisto: os avanços sociais, as revoluções... As palavras que acabas de ouvir, disse-as há quatro anos ao povo de minha aldeia, Fuentevaqueros, na inauguração da biblioteca pública. Os livros. Os olhares resignadas não povoam o mundo dos livros.
O empregado de mesa vem na nossa direcção. Deve trazer um copo para mim. Um copo vazio. Ninguém lho pediu, é certo... e eu não posso beber no passado. Aproxima-se, em passo solene: não é um copo que equilibra na bandeja, são lírios!
Por que precipitas o fim? Uma bandeja de lírios a entrar na foto, na cena morta e iluminada, é uma imagem bonita. Mas, caso tivesses observado bem a fotografia, acharias um segundo copo na mesa. Sempre aqui esteve aqui, na natureza morta. Não respondi à pergunta que te fez entrar por uma janela em casa estranha. Não disse tudo, e tu, ao ouvires falar do poder das palavras, quiseste a perfumar a cena. No palco, o poder da palavra é mais forte! Verdadeiro. As personagens que dormitam nos livros, recuperam a voz, os gestos, geram o rosto de quem as diz. Ouve: o fascínio do teatro é esta transumância irreal. Demoníaca transumância, ciciam os franquistas enquanto premeditam a cilada . Porque as personagens – cabiam há pouco num livro de bolso – viajam agora numa carrinha, ou na carruagem do comboio, e vão de povo em povo, de terra em terra, espevitar a rebeldia. Então, o teatro, escola do pranto e do riso, é também uma tribuna livre onde os homens podem ridicularizar morais velhas ou equívocas.
Desiludo-te, não é?
Tu conheces as palavras, a fraqueza das minhas palavras, feridas como veados. Mais tarde ou mais cedo, ouve, na lama dos dias, o homem volta a desenhar o caminho. O teatro vai ajudar essa borrasca. Agora pode entrar em cena, na fotografia de Julho de mil novecentos e trinta e seis, a gabela de lírios na bandeja.
A um poeta nada se recusa. Deseja o silêncio, terá o silêncio. Levanto-me, devagar. A mão esquerda do homem do casado branco pousa no braço da cadeira; a outra imerge na sombra. Dou um passo. Apenas um passo. Desabito a natureza morta.
Do lado de fora, do lado do público, lanço olhar derradeiro. O homem ao fundo voltou à mesa. Olha, cabeça levemente inclinada, o homem do casaco branco. Este cativa, para sempre, o sorriso silvestre. Só o brilho tímido dos seus olhos perturba a serenidade. O olhar de homem acossado. De vítima. Como libertar-me dos seus olhos?
É simples, fecho o livro.
Selecciono um ponto preciso: a mão; a mão esquerda do homem do casaco branco. A fotografia observada desta forma precária, eu sei, perde o equilíbrio. Mas abre-me uma porta (uma janela?). Ao lado da mão, vejo agora uma cadeira vazia. É este o meu exíguo espaço na natureza morta. Entro na foto; sento-me na cadeira vazia, reservada para mim há muitos anos.
O homem do casaco branco não se apercebe da companhia. Mantém o olhar, levemente teatralizado, na direcção da objectiva – como se o fotógrafo estivesse ainda ali. Movo o olhar em redor: a mesma serenidade como quando, há pouco, observava a fotografia do lado de fora.
Como restituir a vida à natureza morta?
Com as palavras, diz-me o homem do casaco branco. E, de repente, abjura o rigor da pose; observa, minucioso, o meu espanto. Bem vindo. A sua mão direita, submersa na foto, emerge devagar: cumprimentamo-nos. Os franquistas vão matar-me no próximo mês de Agosto. Sabias? Não é esse episódio, decerto, que até aqui te traz. Ninguém profana o silêncio de uma fotografia para inquirir a morte. A minha pobre morte. Estás a ver: as palavras devolvem a vida, o movimento - a natureza morta (de que fazemos parte) ilumina-se como uma romã. O homem ao fundo faz um gesto, quase imperceptível, para o empregado (que só agora caminha na foto). Deposita na mesa a moeda; não a vejo, ouço-lhe o som a ressurtir do tampo. Ruído acintoso, comprovativo. Levanta-se, sai de cena. Não o sigo. Atravessará a rua deserta, creio, que cede claridade à fotografia. Não o persigo com os olhos.
Procuro nos bolsos do blusão o gravador; quero-o na mesa, ao lado da garrafa. É impossível prender o silêncio, diz-me o homem do casaco branco. Talvez tenha razão. Devolvo à clandestinidade do bolso o objecto. E para que serve o teatro? Esta a dúvida, afinal, que me levou a ocupar a cadeira vazia como quem entra em casa estranha pela janela. Antes de responder, permite-me duas observações. O meu sorriso é silvestre (já o disse noutra entrevista). Segundo: brilho tímido acha-se nos olhos de gente resignada. Eu sou, tu o disseste, um animal acossado. Sabes porquê? Fico do lado dos que não têm nada; ajudo-os a espavorir a resignação. Ora cá está: o teatro descativa, transforma os sentimentos. Eu sei, tu és do futuro. Sentaste-te na minha mesa, no preto e branco da foto, e não és deste tempo. As minhas arcaicas palavras podem (a)parecer inapreensíveis. Se habitasse o teu tempo, diria o mesmo. Faria o mesmo. Tirania como a de Bernarda Alba (era capaz de se sentar em cima do teu coração e ficar um ano a ver-te morrer...) continua no teu tempo. Adela, a jovem Adela, deixou irmãs em toda a parte, e nenhuma pisou ainda o caminho da felicidade. A busca da felicidade, imprevisto companheiro, é o acto mais revolucionário da História .
Desiludo-te, eu sei. Quando entraste na fotografia, julgaste que terias a entrevista da tua vida. Mais ou menos assim: o medo da morte (lembro: vou ser fuzilado em Agosto de trinta e seis) fez recuar este homem. Renegará os ideais libertários para sobreviver. Não, não traio. Portador de fogo, enfim, o meu destino. Tu sabes, vou morrer. Os livros ficam, as personagens darão de beber à minha voz. Os meus livros, os livros dos outros. Porque tudo vem nos livros, companheiro imprevisto: os avanços sociais, as revoluções... As palavras que acabas de ouvir, disse-as há quatro anos ao povo de minha aldeia, Fuentevaqueros, na inauguração da biblioteca pública. Os livros. Os olhares resignadas não povoam o mundo dos livros.
O empregado de mesa vem na nossa direcção. Deve trazer um copo para mim. Um copo vazio. Ninguém lho pediu, é certo... e eu não posso beber no passado. Aproxima-se, em passo solene: não é um copo que equilibra na bandeja, são lírios!
Por que precipitas o fim? Uma bandeja de lírios a entrar na foto, na cena morta e iluminada, é uma imagem bonita. Mas, caso tivesses observado bem a fotografia, acharias um segundo copo na mesa. Sempre aqui esteve aqui, na natureza morta. Não respondi à pergunta que te fez entrar por uma janela em casa estranha. Não disse tudo, e tu, ao ouvires falar do poder das palavras, quiseste a perfumar a cena. No palco, o poder da palavra é mais forte! Verdadeiro. As personagens que dormitam nos livros, recuperam a voz, os gestos, geram o rosto de quem as diz. Ouve: o fascínio do teatro é esta transumância irreal. Demoníaca transumância, ciciam os franquistas enquanto premeditam a cilada . Porque as personagens – cabiam há pouco num livro de bolso – viajam agora numa carrinha, ou na carruagem do comboio, e vão de povo em povo, de terra em terra, espevitar a rebeldia. Então, o teatro, escola do pranto e do riso, é também uma tribuna livre onde os homens podem ridicularizar morais velhas ou equívocas.
Desiludo-te, não é?
Tu conheces as palavras, a fraqueza das minhas palavras, feridas como veados. Mais tarde ou mais cedo, ouve, na lama dos dias, o homem volta a desenhar o caminho. O teatro vai ajudar essa borrasca. Agora pode entrar em cena, na fotografia de Julho de mil novecentos e trinta e seis, a gabela de lírios na bandeja.
A um poeta nada se recusa. Deseja o silêncio, terá o silêncio. Levanto-me, devagar. A mão esquerda do homem do casado branco pousa no braço da cadeira; a outra imerge na sombra. Dou um passo. Apenas um passo. Desabito a natureza morta.
Do lado de fora, do lado do público, lanço olhar derradeiro. O homem ao fundo voltou à mesa. Olha, cabeça levemente inclinada, o homem do casaco branco. Este cativa, para sempre, o sorriso silvestre. Só o brilho tímido dos seus olhos perturba a serenidade. O olhar de homem acossado. De vítima. Como libertar-me dos seus olhos?
É simples, fecho o livro.
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Federico Garcia Lorca,
Guerra Civil de Espanha
domingo, 15 de fevereiro de 2009
Homem sem terra
O boi era o símbolo da valentia da nossa terra. O boi do povo!, explica o homem que tivera de fugir da sua aldeia, porque a barragem tudo engoliu: casa, sonhos, campos, odores, melancolia. Chegávamos o nosso boi ao boi do povo vizinho. Os animais olhavam-se, marcavam o território. Em redor, o povo quieto e mudo – mas os corações esbracejavam em sobressalto. Então, os bois surgiam, cegos de fúria, estalejavam os cornos. Se a chega fosse leal, turravam um bom bocado, sob a algazarra da gente que incitava o Bonito, que incitava o Malhado! Não havia empate. Um dos bois deixava cair a valentia no campo. Fugia. Por vezes, o vencido afocinhava gravemente ferido. E nem sempre a vitória era pacífica: tudo se esclarecia com meia dúzia de pauladas e outras tantas cabeças a sangrar. Aluta bovina acabou. Na última romaria, disse o homem sem terra, alguns dos nossos antigos habitantes crisparam-se com os antigos vizinhos: os outros eram em maior número, fizeram recuar os nossos. De caçadeiras nas mãos, nessa mesma noite invadiram a aldeia dos outros: esfacelaram , a tiro de zagalote, os fios da electricidade. A escuridão irrompeu como alma penada. Olhe, as equipas regressam ao relvado. Os bois, os bois sem o olhar manso, corrige o homem sem terra.
In O Homem do Saco de Cabedal
In O Homem do Saco de Cabedal
terça-feira, 10 de fevereiro de 2009
segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009
viagens de metro
Um pai natal esquecido
continua a subir descolorida
parede no bairro do viso. o nevoeiro
aviva-lhe o vermelho
da roupa. habitar fora
do tempo é uma falsa eternidade.
O metro avança, apaga a imagem.
continua a subir descolorida
parede no bairro do viso. o nevoeiro
aviva-lhe o vermelho
da roupa. habitar fora
do tempo é uma falsa eternidade.
O metro avança, apaga a imagem.
segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009
Provérbios para passar os dias
Um burro carregado de lírios
é um poema de Lorca.
*
Quem tem telhados de vidro
adormece a contar estrelas.
é um poema de Lorca.
*
Quem tem telhados de vidro
adormece a contar estrelas.
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Lorca,
Novos provérbios
quinta-feira, 29 de janeiro de 2009
Cidade submersa
submersa a cidade, abraço
húmido e vagaroso. os que vêm
de maio (agora no pousio da escrita)
não entendem a névoa
muito menos a melancolia
das camélias floridas.
procura
procura os esporões
da magnólia (resistiram
a todos os frios)
prontos a ceder à brancura
e talvez descubras errático destino.
húmido e vagaroso. os que vêm
de maio (agora no pousio da escrita)
não entendem a névoa
muito menos a melancolia
das camélias floridas.
procura
procura os esporões
da magnólia (resistiram
a todos os frios)
prontos a ceder à brancura
e talvez descubras errático destino.
sábado, 24 de janeiro de 2009
A pedra cabisbaixa
*
Tu não sabes, a mulher das colinas
esperou por mim a vida toda. Admitiu
o impossível conselho teu: não dorme
para perseverar a juventude.
Uma ave silenciosa diz-me o atalho das colinas,
a mulher sustém um lírio contra o peito.
Peço, peço-lhe que me leve junto do muro,
tu sabes, onde se derramou o sangue.
Ela diz: os campesinos venderam tudo
e abalaram da fome
a pedra cabisbaixa do muro partiu também.
Eu conheço a voz, esta voz rouca
como silêncio do lírio morto.
Paramos num sítio seco, terra pobre
terra pobre, desabrigada da mudez afável
das árvores: a mulher devolve o lírio
à límpida voracidade da luz. E parte
como se fosse ainda rapariga, sem olhar para trás.
Descubro sinais da migração da pedra
o teu nome. Apanho do chão o fogo adormecido.
Rebelde melancolia, a palavra.
Tu não sabes, a mulher das colinas
esperou por mim a vida toda. Admitiu
o impossível conselho teu: não dorme
para perseverar a juventude.
Uma ave silenciosa diz-me o atalho das colinas,
a mulher sustém um lírio contra o peito.
Peço, peço-lhe que me leve junto do muro,
tu sabes, onde se derramou o sangue.
Ela diz: os campesinos venderam tudo
e abalaram da fome
a pedra cabisbaixa do muro partiu também.
Eu conheço a voz, esta voz rouca
como silêncio do lírio morto.
Paramos num sítio seco, terra pobre
terra pobre, desabrigada da mudez afável
das árvores: a mulher devolve o lírio
à límpida voracidade da luz. E parte
como se fosse ainda rapariga, sem olhar para trás.
Descubro sinais da migração da pedra
o teu nome. Apanho do chão o fogo adormecido.
Rebelde melancolia, a palavra.
sábado, 17 de janeiro de 2009
Mãos na cabeça
Devagar caminhavam, as mãos na cabeça. Viam o fascínio fresco do rio; na lentidão dos olhos adoravam as trutas. Nunca estes homens comeram um peixe. Na Primavera subiam, eles e o gado, ao monte: falavam com as árvores, mascavam bagas azedas. Desciam, no dealbar do Inverno, por caminhos de terra batida. Da margem esquerda do rio, bebiam a limpidez da água para desagasalhar o sono das trutas. Abraçados à noite, endoideciam. Abraçados à noite.
*
Pele branca
A menina tinha a pele branca, azuis os olhos. Azuis, como lagos profundos. Pelo Maio, saía da casa em ruínas: ia com as borboletas à caça de aromas. Colhia flores silvestres, oferecia-as aos camponeses. Em troca recebia vinho e sorrisos. Quando nasceste, súbita tempestade destruiu a nossa aldeia. As enxurradas levaram cabeças de gado e de gente. Ano de penúria. Contou-lhe a velha louca, vencedora do dilúvio. Nesse dia, nova borrasca abafou o povoado. Em clamor, os sobreviventes procuraram a menina. E ninguém, e ninguém a viu: como se diluísse no azul profundo dos olhos. A casa em ruínas foi agora recuperada para turismo no espaço rural.
In O Homem do Saco de Cabedal
*
Pele branca
A menina tinha a pele branca, azuis os olhos. Azuis, como lagos profundos. Pelo Maio, saía da casa em ruínas: ia com as borboletas à caça de aromas. Colhia flores silvestres, oferecia-as aos camponeses. Em troca recebia vinho e sorrisos. Quando nasceste, súbita tempestade destruiu a nossa aldeia. As enxurradas levaram cabeças de gado e de gente. Ano de penúria. Contou-lhe a velha louca, vencedora do dilúvio. Nesse dia, nova borrasca abafou o povoado. Em clamor, os sobreviventes procuraram a menina. E ninguém, e ninguém a viu: como se diluísse no azul profundo dos olhos. A casa em ruínas foi agora recuperada para turismo no espaço rural.
In O Homem do Saco de Cabedal
quinta-feira, 15 de janeiro de 2009
Trabalho em vias de extinção
Hoje vi empurrar para a borda alguns amigos. Eu podia fazer parte do grupo. Pela manhã disseram, a cada um, individualmente, O teu posto de trabalho foi extinto. Eu podia fazer parte do grupo, todos nós podíamos. Mas foram eles, os meus amigos. O João Paulo Mendes, o João Fonseca, o João Paulo Coutinho,o Alfredo Mendes, o Luís Bizarro Borges, a Rita Senos, a Paula Silva, a Paula Sanches, o Hernâni Doerllinger, o Manuel Almeida, o Jacinto Velhote, o Paulo Silva, o Paulo A. Silva, o Marcos Cruz, o Hernâni Pereira, o Amin Chaar, o José Reis - o Diamantino Fitas, que sabia do que eu falava quando falava de enxertia, de abóboras ou de navalhas de Palaçoulo. Da terra, das coisas simples da terra. Perdi parte da juventude junto destes camaradas: é duro vê-los tombar da borda. A lista, enfim, é bem mais extensa. Fico por aqui, com um verso do Herberto a rematar a amarga prosa, “Puta de vida subdesenvolvida”.
terça-feira, 13 de janeiro de 2009
O que diz a pedra
Enquanto a noite não desperta os esquivos animais bravios,
uma pedra debruça-se na água, sacia a sede.
Gesto submisso: a pedra bebe cerimoniosa, como se fosse
a última vez. O seu destino será idêntico
ao dos outros seixos que a água afeiçoou,
agora mirrados pelo estio. A vida das pedras
é um mistério. Que língua falam além do silêncio?
Que segredos encobrem quando nos olham
como animais humildes?
uma pedra debruça-se na água, sacia a sede.
Gesto submisso: a pedra bebe cerimoniosa, como se fosse
a última vez. O seu destino será idêntico
ao dos outros seixos que a água afeiçoou,
agora mirrados pelo estio. A vida das pedras
é um mistério. Que língua falam além do silêncio?
Que segredos encobrem quando nos olham
como animais humildes?
sexta-feira, 9 de janeiro de 2009
domingo, 4 de janeiro de 2009
OUVE, ISRAEL
Quando fomos perseguidos
era um dos vossos
Como posso continuar a sê-lo
se vos tornais perseguidores?
A vossa aspiração era
tornar-vos com os outros povos
que vos assassinavam
Agora tornaste-vos como eles
Sobrevivestes
aos que foram cruéis para convosco
Acaso a sua crueldade perdura
agora em vós?
Ordenastes aos vencidos:
“Descalçai os sapatos”
Tal como ao bode expiatório
Impeliste-los para o deserto
para a grande mesquita da morte
cujas sandálias são areia
eles porém não aceitaram os pecados
que quisestes impor-lhes
A marca dos pés nus
na areia do deserto
prevalece sobre o rasto
das vossas bombas e tanques
ERICH FRIED
In 100 Poemas sem Pátria,Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1979
era um dos vossos
Como posso continuar a sê-lo
se vos tornais perseguidores?
A vossa aspiração era
tornar-vos com os outros povos
que vos assassinavam
Agora tornaste-vos como eles
Sobrevivestes
aos que foram cruéis para convosco
Acaso a sua crueldade perdura
agora em vós?
Ordenastes aos vencidos:
“Descalçai os sapatos”
Tal como ao bode expiatório
Impeliste-los para o deserto
para a grande mesquita da morte
cujas sandálias são areia
eles porém não aceitaram os pecados
que quisestes impor-lhes
A marca dos pés nus
na areia do deserto
prevalece sobre o rasto
das vossas bombas e tanques
ERICH FRIED
In 100 Poemas sem Pátria,Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1979
sábado, 3 de janeiro de 2009
a palavra treme
a palavra maio treme de frio
quando dita em janeiro. deixemos maio e
seus subterrâneos fogos
em pousio. agora é inverno: a palavra
mais branca que conheço.
quando dita em janeiro. deixemos maio e
seus subterrâneos fogos
em pousio. agora é inverno: a palavra
mais branca que conheço.
Os pós-modernos
O discurso pós-moderno é labiríntico,
descarta paradigmas e grandes narrativas, e em sua bagagem cultural coloca no mesmo patamar Portinari e Felipe Massa; Guimarães Rosa e Paulo Coelho; Chico Buarque e Zeca Pagodinho.
O pós-modernismo não tem memória, abomina o ritual, o litúrgico, o mistério. Como considera toda paixão inútil, nem ri nem chora. Não há amor, há empatias. Sua visão de mundo deriva de cada subjectividade.
Frei Betto
(in Jornal Fraternizar, nº172, Janeiro/Março 2009)
descarta paradigmas e grandes narrativas, e em sua bagagem cultural coloca no mesmo patamar Portinari e Felipe Massa; Guimarães Rosa e Paulo Coelho; Chico Buarque e Zeca Pagodinho.
O pós-modernismo não tem memória, abomina o ritual, o litúrgico, o mistério. Como considera toda paixão inútil, nem ri nem chora. Não há amor, há empatias. Sua visão de mundo deriva de cada subjectividade.
Frei Betto
(in Jornal Fraternizar, nº172, Janeiro/Março 2009)
sexta-feira, 2 de janeiro de 2009
novos dias
Os dias novos do novo ano. É preciso sol,
um pouco de sol, para pôr a secar a melancolia.
Palavra curiosa, a melancolia: suave de ouvir,
difícil de esconder.
um pouco de sol, para pôr a secar a melancolia.
Palavra curiosa, a melancolia: suave de ouvir,
difícil de esconder.
quinta-feira, 1 de janeiro de 2009
a vitima troca de papel
O holocausto em Gaza
praticado com frieza pelos mesmos
que sofreram o holocausto.
praticado com frieza pelos mesmos
que sofreram o holocausto.
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