domingo, 26 de julho de 2009

Sul

sem o canto das cigarras
não é verão.

sábado, 25 de julho de 2009

Osso de ave

quando dizes lobo
a noite estremece, a tua voz
submersa
como osso de ave
restos de folhas e desejo
no coração do bosque.
o bosque da magnólia
branca que convoco
quando dizes lobo
e os caminhos velhos
iluminados pelo medo
do lume das bruxas.
tu sabes,
escrever com a memória
é amargo ofício.

quinta-feira, 23 de julho de 2009

Ainda os pombos bravos

tu não sabes, o voo dos pombos
bravos é determinado, a mesma frieza
de manhã de dezembro. mas agora o verão
da dança insana da ventania
folhas ainda de plátano na rua
como palavras vazias
agora o verão
tu não sabes
vilarinho de negrões
viade de passagem outra vez de passagem
de súbito o povo de fiães do rio
e um nome límpido rompe a serenidade da tarde
bento gonçalves
memória redimida
o facho da utopia levantado
renascido numa casa humilde
na discreta aldeia
a bárbara morte no tarrafal
tão longe da sereníssina luz
que ilumina os carvalhais

quinta-feira, 16 de julho de 2009

ver o mar

muito sargaço na areia e ninguém o apanha
como na subsistente agricultura
lavoura de fome, medos, chuvas frias
sem concertina, sem canto ao desafio
talvez as mulheres de a-ver-o-mar
já não sejam batidas pelos seus homens
dramas marinhos arrastados na onda do tempo
o sargaço na areia branca: a manchar o estio
ou a açular a memória?
de repente os pombos bravos num voo
cada vez mais alto
dor antiga que te inquieta

terça-feira, 14 de julho de 2009

Na manhã fria os pombos bravos

na manhã fria os pombos bravos
é imagem para sempre
depois do voo súbito, halo
de silêncio no pinhal: só o estalido
do gelo trilhado, só a dor antiga e os cães
os cães no rasto, pai.

agora o verão
as palavras em redor da magnólia
dou-lhes água afago-as
como perdigueiros tristes
e nenhuma levanto da terra
são palavras andarilhas
vieram de maio cheiram a ervas bravas do rio

domingo, 12 de julho de 2009

Os pombos bravos

quando dizes lobo
retomo a grafia da terra
afectos caídos nas toalhas de linho
e os cães, sei os nomes
vejo-os a seguir o rasto
pai, olhe os cães
no frio da manhã os pombos bravos
e eu sonhava um dia ter também caçadeira
para provar o meu pai que os pombos voavam a distância de tiro
chumbo cinco, talvez, pólvora nobel
a ave caindo redonda com uma maçã
no chavascal, esquartejada
em breves segundos de rosnar e sangue
cão de coelho despreza caça de pena
tu sabes, a grafia da terra
traz sempre uma dor antiga
agora o verão, agora o verão quando dizes lobo
o verão e os devaneios do repouso, os cães dormem à sombra
nenhuma dor antiga os abala nenhuma
lembrança os alvoroça

sábado, 11 de julho de 2009

O pão dos campos

Quando dizes lobo fogem palavras
das urzes: memória cinegética outra vez,
e não queria, e não queria. merouço
ribeiro da gândara. babaite, estranho
nome: babaite, as levadas de babaite
cães aflitos no rasto o gesto do pai a impor silêncio
porque o silêncio ( já o disse) é a astúcia
dos predadores, aflito coelho a iludir os cães
no tumultuoso silvaredo, irrompe
célere animal de medo na clareira
a cambalhota parte é da morte veloz
pólvora queimada no ar húmido
da manhã: vivesse mil anos jamais esqueceria
esse odor de morte e contentamento
o pai afoita os cães nas levadas de babaite,
memória cinegética sobressaltada
quando dizes lobo
o pão dos campos recolhido
metáfora de subsistência: o pão dos campos
da minha infância que era o milho
pai, afoite os cães
o pão dos campos ainda e a curiosa forma de o medir
a vessada da ribeirinhas dá três carros de pãocarros de bois, entenda-se, a chiar lentamente
pela miséria real dentro. o pai afoita a matilha
sei os nomes desses remotos cães de caça
por vezes trago-os para a escrita
alguns (agora o verão) farejam a palavra hidranja
e logo adormecem
quando dizes lobo, levantam o pêlo do dorso
procuram o meu auxílio

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Quem diz lobo

a lua. olho-a. a lua
digo a palavra baixinho
e a palavra basta: é silêncio geométrico
uma memória de afectos
que torna dóceis os lobos enamorados. A lua
deixo rolar a palavra nos lábios, os lobos
os lobos também: os lobos caídos
no fojo de s. bento de guavieiras
onde fica essa terra
quem diz lobo
quem diz: agora o verão

segunda-feira, 6 de julho de 2009

O rumor na pele

agora o verão. emigram rostos
algumas memórias adormecidas
felino sossego na sombra
da magnólia. o rumor marinho lateja
na pele. nenhuma palavra
nenhuma palavra talvez
se emaranha no sargaço
nenhuma palavra procuro.

agora o verão, suave
escrita:todo o silêncio
da mãe no olhar sereníssimo
que grita que perdoa
ama e nos abraça e nos leva
e nos leva pelo longe.